Europeus acidentais
"E, num instante, o discurso oficial saltou do orgulho no Tratado de Lisboa e das comemorações da integração europeia para um genérico ódio à Europa "ultraliberal", cujas instituições centrais conspiram contra os nossos "interesses estratégicos" e cujos países membros atiçam as respectivas empresas para nos enxovalhar. É uma atitude bastante mais coerente, não só com os governantes que sempre se sentiram em casa na casa de Hugo Chávez e sobas afins, mas igualmente com os portugueses em geral, os quais, valha a verdade, nunca se sentiram assim muito europeus.
As reacções ao Mundial de futebol, se me permitem a fatídica alusão, têm sido aliás representativas do lugar que nos atribuímos na Terra. Logo que terminou a obrigação ("patriótica", dizem) de "torcer" pela selecção nacional, os entusiastas da bola dedicaram-se ao Brasil, à Argentina, ao Uruguai, ao Paraguai e até ao Gana, que também servia para atingir o objectivo de todos: evitar a vitória de uma equipa europeia. Na televisão, nos jornais, na Internet e nos cafés, peritos e amadores proclamavam com nítida satisfação que este era o campeonato da América Latina, e o desânimo foi grande quando a realidade os desmentiu.
Isto não acontece por acidente. Acidental é a existência portuguesa num continente onde, salvo em raríssimos e remotíssimos momentos, a periferia geográfica coincidiu com a periferia política, económica e cultural. Por culpa própria ou destino, persiste em nós a impressão de habitar uma região inadequada à "identidade nacional", seja isso o que for. Como em 1500, em 2010 um vago Sul, repleto de praias, mulatas, sombreros, cachaça e corrupção, continua a seduzir-nos.
Claro que, graças às esmolas da UE, ao longo dos últimos 25 anos aproximámo-nos do Primeiro Mundo e afastámo-nos do Terceiro. Mas logo que a Europa retribua em indiferença uma fracção do nojo que lhe dedicamos e as esmolas terminem, regressaremos, salvo na geografia, às paragens míticas a que chamamos lar. Até lá, somos europeus por empréstimo, ou, literalmente, a fundo perdido."
Alberto Gonçalves
As reacções ao Mundial de futebol, se me permitem a fatídica alusão, têm sido aliás representativas do lugar que nos atribuímos na Terra. Logo que terminou a obrigação ("patriótica", dizem) de "torcer" pela selecção nacional, os entusiastas da bola dedicaram-se ao Brasil, à Argentina, ao Uruguai, ao Paraguai e até ao Gana, que também servia para atingir o objectivo de todos: evitar a vitória de uma equipa europeia. Na televisão, nos jornais, na Internet e nos cafés, peritos e amadores proclamavam com nítida satisfação que este era o campeonato da América Latina, e o desânimo foi grande quando a realidade os desmentiu.
Isto não acontece por acidente. Acidental é a existência portuguesa num continente onde, salvo em raríssimos e remotíssimos momentos, a periferia geográfica coincidiu com a periferia política, económica e cultural. Por culpa própria ou destino, persiste em nós a impressão de habitar uma região inadequada à "identidade nacional", seja isso o que for. Como em 1500, em 2010 um vago Sul, repleto de praias, mulatas, sombreros, cachaça e corrupção, continua a seduzir-nos.
Claro que, graças às esmolas da UE, ao longo dos últimos 25 anos aproximámo-nos do Primeiro Mundo e afastámo-nos do Terceiro. Mas logo que a Europa retribua em indiferença uma fracção do nojo que lhe dedicamos e as esmolas terminem, regressaremos, salvo na geografia, às paragens míticas a que chamamos lar. Até lá, somos europeus por empréstimo, ou, literalmente, a fundo perdido."
Alberto Gonçalves
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