O lado negro da força
"Nas últimas décadas, uma das principais forças propulsoras da actividade económica mundial foi, consensualmente, a globalização. Progrediu em duas frentes: no mercado de mercadorias e serviços e no mercado de capitais. Muito embora percepcionada maioritariamente de forma positiva, a actual turbulência tende a ter evidenciar a dualidade deste fenómeno.
Comecemos pela vertente dos bens. Nas economias avançadas, os consumidores ficaram deliciados quando puderam adquirir t-shirts, ecrãs de plasma, computadores portáteis ou telemóveis a preços crescentemente mais baixos, descurando suas implicações. A deslocalização da produção física para as economias emergentes, mantendo, nas economias avançadas, o trabalho maioritariamente intelectual, promoveu a queda de preços do produto final em resultado de menores custos de produção, sobretudo ao nível do trabalho. Como resultado, o preço do produto final caiu, arrastando a remuneração dos factores produtivos nas economias desenvolvidas.
Se se vende o mesmo bem a um preço inferior ao do passado, não se podem continuar a remunerar os factores produtivos da mesma forma, a menos que, aquilo que normalmente se designa na gíria económica por produtividade total dos factores produtivos (capital e trabalho) tenha aumentado muito significativamente: ou seja, se se consegue fazer mais com menos. Contudo, as estatísticas sugerem que, nos últimos anos, embora se consiga fazer muito mais que no passado, necessita-se praticamente do mesmo para obter cada unidade. Por conseguinte: os preços baixos do produto final sobem na cadeia produtiva, contagiando lucros e salários. Efectivamente, nos últimos anos, a remuneração do factor capital, considerando a evolução das taxas de juro ou os ganhos médios dos principais índices bolsistas mundiais, tem declinado. Pelo lado dos salários, nas economias desenvolvidas, os progressos têm sido limitados e as quedas tendencialmente agravar-se-ão, porque o impacto do abaixamento de preços do produto final induzido pela globalização ainda não se encontra totalmente reflectido no rendimento do factor trabalho.
Do lado do mercado de capitais: associado ao deslocamento de unidades fabris estiveram fluxos de capital, primeiramente sob a forma de investimento directo. As economias, para suportar o crescimento à custa de exportações ou para colmatar falta de poupança face às necessidades de investimento, favoreceram a intensificação de fluxos de capitais e uma grande interconectividade de sistemas financeiros. Como consequência, reforçaram a volatilidade dos mercados de capitais, acentuando a tendência esquizofrénica e de comportamento de manada dos investidores. A livre circulação de capitais deveria assegurar a sua melhor alocação; porém, como a crise da dívida subprime nos EUA ou a crise europeia ilustram, pode intensificar comportamentos disfuncionais, geradores de bolhas e explosões destrutivas.
No mundo desenvolvido, os rendimentos de capital e de trabalho encolhem. No seu contraponto, nas economias emergentes, significativas camadas da população escapam anualmente à armadilha da pobreza endémica, alcançando serviços mínimos de saúde, educação e justiça, que ainda podem ser postos em causa. Ao mundo actual, apresentam-se duas alternativas para superar este aparente predomínio do lado negro da globalização: ou se regressa ao passado, impondo-se proteccionismo sob a forma de barreiras comerciais e controlo de capitais; ou se opta por uma solução mais cooperativa, exigindo maior vigilância nas práticas produtivas e nos fluxos de capitais, com cedências mútuas.
Finalmente, uma vez que a inovação é o principal dínamo da produtividade total dos factores é também a única forma de assegurar aumentos sustentáveis de rendimento dos factores de produção. Apesar dos progressos tecnológicos recentes, a produtividade tem crescido relativamente pouco no último quartel. Os grandes saltos de produtividade tendem a estar associados a mudanças de paradigma tecnológico: a máquina a vapor no séc. XVIII ou o motor de combustão interna no séc. XIX. Por enquanto, as novidades tecnológicas dos sécs. XX-XXI ainda não produziram o salto de produtividade proporcionado pelos exemplos de épocas passadas. Partindo de níveis tecnológicos mais altos, inovar revolucionariamente pode ser mais difícil; porém, viver nos tempos de maior qualificação da força de trabalho mundial dará certamente frutos."
Cristina Casalinho
Comecemos pela vertente dos bens. Nas economias avançadas, os consumidores ficaram deliciados quando puderam adquirir t-shirts, ecrãs de plasma, computadores portáteis ou telemóveis a preços crescentemente mais baixos, descurando suas implicações. A deslocalização da produção física para as economias emergentes, mantendo, nas economias avançadas, o trabalho maioritariamente intelectual, promoveu a queda de preços do produto final em resultado de menores custos de produção, sobretudo ao nível do trabalho. Como resultado, o preço do produto final caiu, arrastando a remuneração dos factores produtivos nas economias desenvolvidas.
Se se vende o mesmo bem a um preço inferior ao do passado, não se podem continuar a remunerar os factores produtivos da mesma forma, a menos que, aquilo que normalmente se designa na gíria económica por produtividade total dos factores produtivos (capital e trabalho) tenha aumentado muito significativamente: ou seja, se se consegue fazer mais com menos. Contudo, as estatísticas sugerem que, nos últimos anos, embora se consiga fazer muito mais que no passado, necessita-se praticamente do mesmo para obter cada unidade. Por conseguinte: os preços baixos do produto final sobem na cadeia produtiva, contagiando lucros e salários. Efectivamente, nos últimos anos, a remuneração do factor capital, considerando a evolução das taxas de juro ou os ganhos médios dos principais índices bolsistas mundiais, tem declinado. Pelo lado dos salários, nas economias desenvolvidas, os progressos têm sido limitados e as quedas tendencialmente agravar-se-ão, porque o impacto do abaixamento de preços do produto final induzido pela globalização ainda não se encontra totalmente reflectido no rendimento do factor trabalho.
Do lado do mercado de capitais: associado ao deslocamento de unidades fabris estiveram fluxos de capital, primeiramente sob a forma de investimento directo. As economias, para suportar o crescimento à custa de exportações ou para colmatar falta de poupança face às necessidades de investimento, favoreceram a intensificação de fluxos de capitais e uma grande interconectividade de sistemas financeiros. Como consequência, reforçaram a volatilidade dos mercados de capitais, acentuando a tendência esquizofrénica e de comportamento de manada dos investidores. A livre circulação de capitais deveria assegurar a sua melhor alocação; porém, como a crise da dívida subprime nos EUA ou a crise europeia ilustram, pode intensificar comportamentos disfuncionais, geradores de bolhas e explosões destrutivas.
No mundo desenvolvido, os rendimentos de capital e de trabalho encolhem. No seu contraponto, nas economias emergentes, significativas camadas da população escapam anualmente à armadilha da pobreza endémica, alcançando serviços mínimos de saúde, educação e justiça, que ainda podem ser postos em causa. Ao mundo actual, apresentam-se duas alternativas para superar este aparente predomínio do lado negro da globalização: ou se regressa ao passado, impondo-se proteccionismo sob a forma de barreiras comerciais e controlo de capitais; ou se opta por uma solução mais cooperativa, exigindo maior vigilância nas práticas produtivas e nos fluxos de capitais, com cedências mútuas.
Finalmente, uma vez que a inovação é o principal dínamo da produtividade total dos factores é também a única forma de assegurar aumentos sustentáveis de rendimento dos factores de produção. Apesar dos progressos tecnológicos recentes, a produtividade tem crescido relativamente pouco no último quartel. Os grandes saltos de produtividade tendem a estar associados a mudanças de paradigma tecnológico: a máquina a vapor no séc. XVIII ou o motor de combustão interna no séc. XIX. Por enquanto, as novidades tecnológicas dos sécs. XX-XXI ainda não produziram o salto de produtividade proporcionado pelos exemplos de épocas passadas. Partindo de níveis tecnológicos mais altos, inovar revolucionariamente pode ser mais difícil; porém, viver nos tempos de maior qualificação da força de trabalho mundial dará certamente frutos."
Cristina Casalinho
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