O perfume barato do contar
O perfume barato do contar
Sabia que me iria irritar. Que o livro Um Político Assume-se
seria uma forma de se justificar perante a História, já que não perante a sua
consciência. Mesmo assim insisti em querer vê-lo. Foi esta noite. Fui directo à
página onde, na obra que diz ser de memórias políticas, Mário Soares trata do que eu conheço de
perto, por ter vivido na pele parte da trama: a história da sua ligação,
enquanto Presidente da República, ao território de Macau. Detive-me nas linhas
que dedica ao caso Emaudio/TDM. Poucas linhas, esclarecedoras linhas.
Diz que foi afinal uma campanha lançada «pela extrema
direita» contra ele, para o envolver na história. Mente, por contrariar a
verdade. A questão não tem a ver com políticos de qualquer quadrante que se
tenham mobilizado contra si, mas com os factos que não se conseguem iludir.
Acrescenta que na origem da campanha esteve o Rui Mateus.
Mente por sobre-simplificar a verdade. O papel de Rui Mateus é prévio na
próxima ligação à sua pessoa, contemporâneo com todo o caso e posterior com
maior intensidade no que se refere ao caso da Weidelplan/Aeroporto de Macau,
mas o assunto transcende-o e em muito.
Para enxovalhar Rui Mateus, Soares diz que o conheceu
empregado de um restaurante e que teve uma ambição tal que quis ser ministro
dos Negócios Estrangeiros do seu Governo. Mente por omissão da verdade. A
ligação entre os dois é muitíssimo mais vasta, próxima, e, é só ler o livro que
aquele escreveu, para concluir que em matéria de "comedorias" o
conhecimento não se limitou a restaurantes.
Remata, enfim, dizendo que envolveram no assunto o então
Governador de Macau, Carlos Montez Melancia, que seria absolvido judicialmente.
Mente por adulteração da verdade. A história do processo judicial ainda está
para ser contada, como a história dos processos judiciais que nunca existiram
em torno do caso. E como é que a absolvição do Governador neste processo deu em
condenação em outro, o "caso do fax".
No momento em que escrevo estas linhas hesito se contarei ou
não toda a história desse aproveitamento político, económico e pessoal da
televisão de Macau que o livro tenta branquear.
Confesso que o descaramento do livro me incendeia um sentido
de revolta pessoal. Que a "reconstrução" da História me repugna como cidadão, como o faz tanta
historiografia oficial arregimentada que tem andado a ser escrita em relação ao
que nem regime político chegou sequer a ser e hoje está em estilhaços, o estado
cadaveroso do País.
Sei que se o fizer, contando o que sei, serei sujeito aos
efeitos da difamação e do enxovalho, porque ele e este estilo de obra são o
rosto de um modo de ser que define a actual Situação, o verso dos que a
criaram, o anverso dos que a consentiram. Talvez haja um direito à
tranquilidade, minha e dos meus, que eu deveria saber preservar.
Por outro lado estou perante uma figura pública idolatrada a
quem tantos perdoaram tudo, à direita e à esquerda, com quem tantos se
arranjaram para tanto. Ficarei isolado e à mercê.
Talvez haja, enfim, o respeito devido à idade, se não
houvesse o respeito devido à Nação de todos nós. Apodar-me-ão de desapiedado,
logo quanto a um livro em que o seu autor se fez cercar, no lançamento, da
imagem inocente dos seus netos.
Vou tentar tranquilizar o espírito e logo verei. Até passar
o hálito da sordidez do caso e do perfume barato com que agora o vejo contado.
José António
Barreiros,15.12.2011
Que me desculpe o Senhor Doutor José António Barreiros por publicar o texto, veio por mail, através de alguns amigos e confesso que não resisti.
Não o conheço mas tenho apreço pelo Senhor, apreço e admiração, porque escreve de forma única e sentida, escreve bem e pensa decerto bem, pelo que o posso considerar uma boa pessoa.
Assim, peço desculpa por publicar o texto que não sei de onde veio, se de um dos seus blogs se de outro local, mas deixe-me sentir também isolado e à mercê, este país precisa de muita gente que se sinta à mercê, para deixarem de estar e se sentirem à mercê.
Um simples físico ao seu serviço.
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