quarta-feira, janeiro 25, 2012

A arte do convívio

"A grande contribuição britânica para arte do convívio foi falar sobre o tempo. Assim conseguia-se o máximo acordo com o mínimo de acção intelectual. A sociedade portuguesa adaptou, com orgulho, esta genial invenção e aplicou-a a quase tudo o que move ou respira: à política, à economia, à cultura, à justiça ou à saúde.

Discutem-se anedotas e evitam-se as questões de fundo. Não é por acaso que Portugal é um dependente crónico do oxigénio externo a que damos o nome de crédito. Olhe-se só para o que nos exalta ciclicamente com um empenho que faz escorrer suor: o BPN, o curso de Sócrates, o BPP, as condenações de Isaltino de Morais, o caso Casa Pia, o "rei da sucata" e as alheiras, os contratos das PPP, os ordenados de Cavaco Silva. Emocionados, exaltamo-nos numa comunhão de indignações militantes, o assunto arrasta-se durante algum tempo e tudo termina na fórmula que encontrámos para dar um toque nacional à arte do convívio: o esquecimento.

Enquanto discutimos isso com renovado vigor obliteramos o fantástico caso da pressão do aumento do preço dos transportes públicos (em nome da "verdade") que terá consequências imprevisíveis na circulação e no trabalho nos grandes centros urbanos. Enquanto discutimos e falamos tanto de diplomacia económica esquecemos o encerramento de uma emblemática livraria, a Camões no Rio de Janeiro, porque é "deficitária". A questão do envelhecimento da população é subvalorizada. É essa capacidade que temos para a indignação sem resultados que ameaça tornar Portugal num país que tenta parecer que é mas que nunca cumpre o seu destino. O que é uma tristeza
."

Fernando Sobral

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