segunda-feira, março 05, 2012

A austeridade sob ataque

"A Europa parece obcecada com a austeridade. País após país, todos estão a ser obrigados, tanto pelos mercados financeiros como pela União Europeia, a cortar o défice do sector público. E, como se isso não fosse suficiente, 25 dos 27 estados-membros acordaram um novo tratado (designado de "pacto orçamental") que os vai forçar a nunca registar um défice orçamental ciclicamente ajustado superior a 0,5% do Produto Interno Bruto (PIB) - Por comparação, em 2011, o défice orçamental dos Estados Unidos foi perto de 8% do PIB.

Contudo, com a economia europeia em risco de cair em recessão, muitos observadores têm-se questionado se a “austeridade” não poderá antes ser auto-destrutiva. Será que a redução nas despesas públicas (ou o aumento nos impostos) pode levar a uma queda tão abrupta na actividade económica que as receitas vão ceder e que a posição orçamental se vai deteriorar ainda mais?

Isto é bastante improvável, dado o modo de funcionamento das nossas economias. Além do mais, se tal fosse verdade, os cortes de impostos iriam reduzir os défices orçamentais, já que um crescimento económico mais rápido iria criar mais receitas, ainda que com taxas de impostos mais baixas. Esta proporção tem sido testada, por várias vezes, nos EUA, onde os cortes nos impostos são, invariavelmente, seguidos de défices mais elevados.

Na Europa, a preocupação nos dias de hoje está, contudo, no rácio dívida/PIB. O receio aqui é que a queda do PIB, em resultado da “austeridade”, possa ser tão elevado que conduza a um aumento do rácio da dívida. Este é um assunto importante porque os investidores utilizam, frequentemente, este rácio como um indicador da sustentabilidade financeira. Por isso, um défice mais baixo pode, de facto, elevar as tensões nos mercados financeiros.

No entanto, um défice mais baixo tem de conduzir, ao longo do tempo, a um rácio de dívida inferior, mesmo que o rácio se deteriore no curto prazo. No final de contas, a maior parte dos modelos utilizados para avaliar o impacto económico da política orçamental implica que, por exemplo, o corte nas despesas reduza a procura no curto prazo, mas que a economia recupere para o seu nível anterior, passado um determinado período de tempo. Assim, a política orçamental não tem um impacto permanente (ou, se tem, é um impacto muito reduzido) na produção, no longo prazo. Isto indica que, qualquer que seja o impacto negativo da redução da procura sobre o rácio de dívida no curto prazo, esse impacto será compensado mais tarde (no médio a longo prazo) por uma recuperação na procura, que vai colocar a economia no nível de produção anterior.

Além disso, mesmo admitindo que o impacto de um corte permanente na despesa pública sobre a procura e o resultado produtivo também é permanente, a redução do PIB continua a ser um fenómeno único. Pelo contrário, um défice mais baixo continua a ter um impacto positivo no nível de dívida, ano após ano.

É de salientar que se alcançou esta conclusão sem recorrer àquilo que Paul Krugman e outros ridicularizaram como "fada da confiança". Nos EUA, pode ser despropositado esperar que um défice mais baixo se traduza num prémio de risco também ele mais baixo – pela simples razão de que o governo norte-americano já paga taxas de juro ultra-baixas.

Contudo, mesmo sem quaisquer efeitos na confiança, o gabinete bipartidário responsável por disponibilizar dados económicos ao Congresso concluiu que, ao mesmo tempo que reduz a procura, o corte no défice norte-americano também conduz, seguramente, a um rácio de dívida mais baixo. Isto deve ser ainda mais verdadeiro para os países da Zona Euro, como Itália e Espanha, que pagam agora prémios de risco excessivos em 3% ou 4%. Para estes países, a fada da confiança tornou-se num monstro.

Daí surge a pergunta decisiva: O que é que é mais importante – o impacto do corte do défice no rácio dívida/PIB no curto ou no longo prazo?

Os possíveis compradores de obrigações a dez anos italianas devem olhar para o impacto da redução do défice no nível de dívida no longo prazo, que será, sem dúvida, positivo. É óbvio que alguns intervenientes no mercado podem não ser racionais, exigindo um prémio de risco mais elevado, depois de uma deterioração do rácio de dívida no curto prazo. Mas aqueles que se estão a centrar apenas no curto prazo arriscam-se a perder dinheiro, porque o prémio de risco vai começar a deslizar quando o rácio de dívida der a viragem.

Abandonar a austeridade com receios de que os mercados financeiros possam ter uma visão a curto prazo vai apenas adiar a hora da verdade, porque os rácios de dívida vão aumentar no longo prazo. Além do mais, é altamente improvável que, por exemplo, a Itália venha a pagar um prémio de risco mais baixo se apresentar défices cada vez maiores.

Abandonar a austeridade neste momento seria perigoso para os países da Zona Euro consideravelmente endividados. Qualquer país que entra num período de intensificada aversão ao risco com uma elevada dívida fica apenas com más alternativas. A implementação de planos de austeridade credíveis constitui o mal menor, mesmo que agrave a recessão cíclica no curto prazo
."

Daniel Gros

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