Também tu, salário bruto?
"O primeiro foi Silva Lopes: ou se descem salários ou teremos fábricas de desempregados. Depois foi Vítor Bento: a redução dos custos salariais é a ferramenta disponível. Veio a troika e impôs: desvalorização interna.
O primeiro foi Silva Lopes: ou se descem salários ou teremos fábricas de desempregados. Depois foi Vítor Bento: a redução dos custos salariais é a ferramenta disponível. Veio a troika e impôs: desvalorização interna.
Paul Krugman quantifica: menos 30% face à Alemanha. E muitos economistas, pensando o mesmo, não o dizem por medo de impopularidade. Porque a resposta ouvida é: mas nós já cortámos os salários!
Há um fosso entre a catatonia dos economistas e a cacofonia dos assalariados. Os economistas estão a falar dos custos salariais das empresas, ou, de forma prosaica, dos ordenados brutos e Segurança Social; os assalariados estão a falar dos ordenados líquidos. As empresas estão a pagar quase o mesmo, os trabalhadores estão a receber muito menos. A diferença, é claro, leva-a o Estado: é o aumento de impostos.
Desvalorizar a moeda, não dá (a Islândia, com moeda própria, fez num ápice o que nos vai demorar anos). Desvalorização fiscal, não dá (a descida da taxa social única foi suspensa). Desvalorização real, não dá (ao contrário dos anos 80, a inflação não é suficiente para criar ilusionismo). Desvalorização dos demais custos de produção, dificilmente dá (custos financeiros, energéticos, das matérias-primas são formados em mercado internacional). É por isso que os economistas sucumbem aos custos salariais: é o que dá. Dá? Dá, dá. Tem dado.
Veja o detalhe das contas, hoje no Negócios. Entre 1999 e 2009, os custos salariais cresceram 9%. Nesse período, a produtividade portuguesa cresceu em linha com a alemã. Tudo bem, então? Não. A inflação subiu mais em Portugal do que na Alemanha, e foi isso que incentivou as nossas subidas salariais. É por isso que há anos se fala de aumentos salariais não em função da inflação mas da produtividade. Prosseguindo: desde que "começou" a crise, tudo mudou: de 2009 para 2013, os custos salariais caíram 9%. Ou seja, os aumentos de dez anos foram quase eliminados em dois.
Agora os salários líquidos. Os aumentos de IRS, incluindo taxas de solidariedade extraordinárias e redução de benefícios e deduções, subtraem rendimento disponível. O caso dos funcionários públicos é o mais grave. A conta depende dos escalões de IRS, mas se somarmos a perda média de 5% no ano passado para ordenados acima de 1.500 euros à perda de dois salários este ano (14% do rendimento) e ao aumento das retenções da fonte por causa das deduções fiscais, estamos a falar de um corte, em dois anos, próximo dos 21%, que em termos reais (com a inflação) atinge os 25% (e passa os 28% nos mais altos). Não chega, senhor Krugman?
Não, não chega porque as empresas estão a pagar quase o mesmo. Mesmo que haja descidas salariais "clandestinas" ou feitas através de desemprego. Isso explica que a Comissão Europeia preveja, para este ano, uma descida de 5% nos custos salariais das empresas.
Um português masoquista irá comparar a declaração de rendimentos de 2011 com a de 2009. O problema adicional é que os preços continuam a aumentar, o que parece uma disfunção económica, mas não é. Com cortes do rendimento, uma recessão superior a 3% e a maior quebra de consumo interno jamais contabilizada nas estatísticas, os preços deviam cair. Mas estão a subir: a previsão é de inflação de 3,1% em 2012, ano em que aumentámos todas as taxas de impostos no consumo, e em que os preços das matérias-primas sobem (maldito petróleo...).
Se o custo de vida está a subir e os salários líquidos a cair, é lógico que as famílias se enfureçam quando ouvem um economista recomendar cortes salariais. O problema é a sanguessuga do Estado, que impõe esta violadora carga fiscal. Ou aumentamos a produtividade, ou os alemães sobem os seus salários, ou as nossas empresas têm de os cortar. E é isso que, devagar, está a acontecer. Seria preferível cortar os brutos salários do que os salários brutos. Mas assim está a acontecer. E à bruta."
Pedro Santos Guerreiro
O primeiro foi Silva Lopes: ou se descem salários ou teremos fábricas de desempregados. Depois foi Vítor Bento: a redução dos custos salariais é a ferramenta disponível. Veio a troika e impôs: desvalorização interna.
Paul Krugman quantifica: menos 30% face à Alemanha. E muitos economistas, pensando o mesmo, não o dizem por medo de impopularidade. Porque a resposta ouvida é: mas nós já cortámos os salários!
Há um fosso entre a catatonia dos economistas e a cacofonia dos assalariados. Os economistas estão a falar dos custos salariais das empresas, ou, de forma prosaica, dos ordenados brutos e Segurança Social; os assalariados estão a falar dos ordenados líquidos. As empresas estão a pagar quase o mesmo, os trabalhadores estão a receber muito menos. A diferença, é claro, leva-a o Estado: é o aumento de impostos.
Desvalorizar a moeda, não dá (a Islândia, com moeda própria, fez num ápice o que nos vai demorar anos). Desvalorização fiscal, não dá (a descida da taxa social única foi suspensa). Desvalorização real, não dá (ao contrário dos anos 80, a inflação não é suficiente para criar ilusionismo). Desvalorização dos demais custos de produção, dificilmente dá (custos financeiros, energéticos, das matérias-primas são formados em mercado internacional). É por isso que os economistas sucumbem aos custos salariais: é o que dá. Dá? Dá, dá. Tem dado.
Veja o detalhe das contas, hoje no Negócios. Entre 1999 e 2009, os custos salariais cresceram 9%. Nesse período, a produtividade portuguesa cresceu em linha com a alemã. Tudo bem, então? Não. A inflação subiu mais em Portugal do que na Alemanha, e foi isso que incentivou as nossas subidas salariais. É por isso que há anos se fala de aumentos salariais não em função da inflação mas da produtividade. Prosseguindo: desde que "começou" a crise, tudo mudou: de 2009 para 2013, os custos salariais caíram 9%. Ou seja, os aumentos de dez anos foram quase eliminados em dois.
Agora os salários líquidos. Os aumentos de IRS, incluindo taxas de solidariedade extraordinárias e redução de benefícios e deduções, subtraem rendimento disponível. O caso dos funcionários públicos é o mais grave. A conta depende dos escalões de IRS, mas se somarmos a perda média de 5% no ano passado para ordenados acima de 1.500 euros à perda de dois salários este ano (14% do rendimento) e ao aumento das retenções da fonte por causa das deduções fiscais, estamos a falar de um corte, em dois anos, próximo dos 21%, que em termos reais (com a inflação) atinge os 25% (e passa os 28% nos mais altos). Não chega, senhor Krugman?
Não, não chega porque as empresas estão a pagar quase o mesmo. Mesmo que haja descidas salariais "clandestinas" ou feitas através de desemprego. Isso explica que a Comissão Europeia preveja, para este ano, uma descida de 5% nos custos salariais das empresas.
Um português masoquista irá comparar a declaração de rendimentos de 2011 com a de 2009. O problema adicional é que os preços continuam a aumentar, o que parece uma disfunção económica, mas não é. Com cortes do rendimento, uma recessão superior a 3% e a maior quebra de consumo interno jamais contabilizada nas estatísticas, os preços deviam cair. Mas estão a subir: a previsão é de inflação de 3,1% em 2012, ano em que aumentámos todas as taxas de impostos no consumo, e em que os preços das matérias-primas sobem (maldito petróleo...).
Se o custo de vida está a subir e os salários líquidos a cair, é lógico que as famílias se enfureçam quando ouvem um economista recomendar cortes salariais. O problema é a sanguessuga do Estado, que impõe esta violadora carga fiscal. Ou aumentamos a produtividade, ou os alemães sobem os seus salários, ou as nossas empresas têm de os cortar. E é isso que, devagar, está a acontecer. Seria preferível cortar os brutos salários do que os salários brutos. Mas assim está a acontecer. E à bruta."
Pedro Santos Guerreiro
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