A guerra de trincheiras na União Europeia
"Todo o grande jogo europeu está à espera das eleições francesas: a Grécia será extirpada da Europa quando a dor se tornar insuportável, depois das eleições francesas mas antes das alemãs de 2013. Portugal ficará então no radar. Começou o salve-se quem puder!
A Europa gosta de seguir o velho ensinamento de La Rochefoucauld: "A hipocrisia é a homenagem que o vício paga à virtude". Quando se olha para o fim inglório do sonho europeu nascido no pós-guerra sente-se que hoje a União Europeia é uma soma de vícios sem valor. A Alemanha de Angela Merkel lidera como se uma união não fosse uma soma de vozes e de sensibilidades. Nicolas Sarkozy, entretido na campanha para ver se é reeleito (e para o qual vai contar com uma convidada muito especial, a senhora Merkel) começa a entrar nos territórios típicos do desespero: acha que a emigração é o problema maior da França.
Pode ganhar votos com isso, mas perde a superioridade moral que em tempos era o trunfo europeu. Todo o grande jogo europeu está à espera das eleições francesas: a Grécia será extirpada da Europa quando a dor se tornar insuportável, depois das eleições francesas mas antes das alemãs de 2013. Portugal ficará então no radar. Mas aí já a luta de trincheiras estará definida: a forma como a Espanha conseguirá equilibrar o seu colossal desemprego com um défice que será maior do que a UE deseja dirá muito sobre o futuro desta Europa. Se François Hollande ganhar em França poderá criar-se um bloco político a sul. E então esta Europa terá de definir-se.
Há poucos dias o líder de um partido de extrema-direita holandês, Geert Wilders (que tem um sexto dos parlamentares do país), disse que o euro não é algo que interesse ao povo holandês. E pediu o regresso à sua moeda nacional. É um sintoma desta desintegração do projecto europeu, hoje assente sobretudo numa burocracia infernal com sede em Bruxelas e numa moeda de onde não se pode fugir até que alguém o faça. O que sucederá à Grécia, e a forma como tal aconteça, dirá muito sobre o final anunciado desta crise que começa a reforçar o sentimento proteccionista dos países, dos seus povos e das suas lideranças. Foi prometido aos europeus que se converteram à União e ao euro a solidariedade e uma vida melhor. Nada disso está a ser cumprido. Então para que serve este esforço descomunal em que todos se sentem desconfortáveis enquanto o desemprego aumenta para níveis próximos do que vimos antes da II Guerra Mundial e onde os focos de conflito (como já vemos em Espanha) começam a surgir?
A crise financeira que tem contaminado a economia e está a destruir o que resta do papel do Estado na sociedade está a gerar sobretudo medo. Num dos mais sólidos livros saídos nos últimos tempos, "La economia del miedo" de Joaquín Estefanía (colunista do "El País"), explica o caminho para o fiel aliado do poder, o medo. A insegurança económica cria-o, mas também é a semente da indignação. Estefanía dispara contra a direita e a esquerda por causa desta crise com mil faces distintas. Mas o que é mais poderoso no livro é uma imagem: a de uma mulher de 32 anos, junto aos filhos, chamada Florence Owens Thompson. A foto de quem nada sabia de economia mas estava a sofrer os efeitos da Grande Depressão americana da década de 30 diz tudo. O medo de quem não percebia o que lhe estava a acontecer transpira do seu rosto.
E isso diz tudo. O grande problema desta crise é que a classe política europeia a continua a encarar como um jogo puramente político com danos colaterais. Mas não é: a insolvência moral da UE está a criar uma geração de europeus com medo mas também com uma raiva contida por terem sido traídos nas promessas que lhes fizeram. A grande muralha da Europa vai começando a cair. Primeiro a Grécia. Mas quando a primeira pedra rolar a doença não será estancada. Porque foi destruído o princípio basilar da União Europeia: a solidariedade. Aquela que ajudou a Alemanha a não cumprir os seus défices para poder absorver a antiga RDA."
Fernando Sobral
A Europa gosta de seguir o velho ensinamento de La Rochefoucauld: "A hipocrisia é a homenagem que o vício paga à virtude". Quando se olha para o fim inglório do sonho europeu nascido no pós-guerra sente-se que hoje a União Europeia é uma soma de vícios sem valor. A Alemanha de Angela Merkel lidera como se uma união não fosse uma soma de vozes e de sensibilidades. Nicolas Sarkozy, entretido na campanha para ver se é reeleito (e para o qual vai contar com uma convidada muito especial, a senhora Merkel) começa a entrar nos territórios típicos do desespero: acha que a emigração é o problema maior da França.
Pode ganhar votos com isso, mas perde a superioridade moral que em tempos era o trunfo europeu. Todo o grande jogo europeu está à espera das eleições francesas: a Grécia será extirpada da Europa quando a dor se tornar insuportável, depois das eleições francesas mas antes das alemãs de 2013. Portugal ficará então no radar. Mas aí já a luta de trincheiras estará definida: a forma como a Espanha conseguirá equilibrar o seu colossal desemprego com um défice que será maior do que a UE deseja dirá muito sobre o futuro desta Europa. Se François Hollande ganhar em França poderá criar-se um bloco político a sul. E então esta Europa terá de definir-se.
Há poucos dias o líder de um partido de extrema-direita holandês, Geert Wilders (que tem um sexto dos parlamentares do país), disse que o euro não é algo que interesse ao povo holandês. E pediu o regresso à sua moeda nacional. É um sintoma desta desintegração do projecto europeu, hoje assente sobretudo numa burocracia infernal com sede em Bruxelas e numa moeda de onde não se pode fugir até que alguém o faça. O que sucederá à Grécia, e a forma como tal aconteça, dirá muito sobre o final anunciado desta crise que começa a reforçar o sentimento proteccionista dos países, dos seus povos e das suas lideranças. Foi prometido aos europeus que se converteram à União e ao euro a solidariedade e uma vida melhor. Nada disso está a ser cumprido. Então para que serve este esforço descomunal em que todos se sentem desconfortáveis enquanto o desemprego aumenta para níveis próximos do que vimos antes da II Guerra Mundial e onde os focos de conflito (como já vemos em Espanha) começam a surgir?
A crise financeira que tem contaminado a economia e está a destruir o que resta do papel do Estado na sociedade está a gerar sobretudo medo. Num dos mais sólidos livros saídos nos últimos tempos, "La economia del miedo" de Joaquín Estefanía (colunista do "El País"), explica o caminho para o fiel aliado do poder, o medo. A insegurança económica cria-o, mas também é a semente da indignação. Estefanía dispara contra a direita e a esquerda por causa desta crise com mil faces distintas. Mas o que é mais poderoso no livro é uma imagem: a de uma mulher de 32 anos, junto aos filhos, chamada Florence Owens Thompson. A foto de quem nada sabia de economia mas estava a sofrer os efeitos da Grande Depressão americana da década de 30 diz tudo. O medo de quem não percebia o que lhe estava a acontecer transpira do seu rosto.
E isso diz tudo. O grande problema desta crise é que a classe política europeia a continua a encarar como um jogo puramente político com danos colaterais. Mas não é: a insolvência moral da UE está a criar uma geração de europeus com medo mas também com uma raiva contida por terem sido traídos nas promessas que lhes fizeram. A grande muralha da Europa vai começando a cair. Primeiro a Grécia. Mas quando a primeira pedra rolar a doença não será estancada. Porque foi destruído o princípio basilar da União Europeia: a solidariedade. Aquela que ajudou a Alemanha a não cumprir os seus défices para poder absorver a antiga RDA."
Fernando Sobral
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