A lição dos trabalhadores à economia
"A gente da troika anda parva com Portugal. Não percebe as nossas idiossincrasias. As negativas. Mas também as positivas. Incluindo esta: a flexibilidade que os trabalhadores das pequenas e médias empresas estão a revelar. E a capacidade destas para exportar. Salve! Assim se mereçam uns aos outros.
Quando a troika aterrou, trouxe os seus modelos. Falhou logo uma previsão: a de que o ano de 2011 seria pior que o de 2012. Não foi. Nos modelos da troika, o simples agendamento da austeridade levaria os portugueses a arrepiar o consumo. Mas só quando o dinheiro deixou mesmo de entrar, em Janeiro (quando convergiram as piores medidas, sobre salários, pensões e impostos) é que os agentes económicos congelaram. Mas há mais. Há a tolerância aos lóbis, que os espanta. Quando é posta em cima da mesa a recomendação de que aqueles que promoveram as parcerias público-privadas devem ser expostos à vergonha, não é nada de pessoal contra José Sócrates, Mário Lino ou Paulo Campos. É porque já não sabe o que mais se há-de fazer. É porque os contratos estão a ser revistos… poucochinho.
Mas vamos às idiossincrasias positivas. Começando pela capacidade para exportar, que podia simplesmente não existir. Existe. E existe apesar dos Governos. Esse crescimento está a acontecer por mérito empresarial, das grandes e também das pequenas empresas. De uma Autoeuropa, cujas condições de competitividade elevam agora as vendas de Sharans e de Sciroccos para a China. E de muitas empresas de que nunca ninguém ouviu falar.
Na sexta-feira, Augusto Mateus explicava numa conferência na Gulbenkian que a exportação de calçado deixa em Portugal cinco vezes mais valor do que a exportação da alta tecnologia. Lembra-se da Qimonda? Era a maior exportadora portuguesa. Mas importava tanto que o valor acrescentado para a economia era quase zero. Como disse Mateus, se por absurdo as nossas exportações fossem todas de alta tecnologia, o volume seria fantástico, mas o PIB (que é uma medida de valor acrescentado, não de volume de negócios) estaria na ruína. Dias antes, noutra conferência, no Porto, Alberto de Castro propunha essa nova leitura das exportações: medindo a incorporação nacional. E onde se gera mais valor? Nos chamados sectores tradicionais. No topo das maiores exportadoras, por exemplo, está uma empresa que gera valor negativo: a Galp. Importa ainda mais do que exporta. Quem gera mais valor acrescentado? A Portucel. A fileira florestal é portuguesa. Faz-se cá tudo.
A outra idiossincrasia que está a funcionar bem é aquilo a que o governador do Banco de Portugal chamou na sexta-feira no Parlamento de flexibilidade tácita do mercado de trabalho. Muitas empresas exportadoras estão a ser mais competitivas por causa daquilo de que os trabalhadores abdicam. Ao contrário do que acontece nas grandes empresas e no Estado, há muitas PME que cuja competitividade está a ser financiada pelos trabalhadores, que interiorizam as dificuldades de sobrevivências das próprias empresas – e nivelam as suas condições à conjuntura. O caso mais radical são os salários em atraso: os trabalhadores preferem tentar preservar o seu posto de trabalho a recorrer a um tribunal e fazer valer os seus direitos. Este é o caso máximo de partilha de risco. E muitas empresas estão a safar-se à custa disso. Um exemplo claro: os trabalhadores dos Estaleiros de Viana do Castelo acabam de fechar um acordo em que trocam as férias de Agosto para poderem terminar a construção de asfalteiros para a Venezuela.
Esta lição de sabedoria que os trabalhadores portugueses estão a dar não pode ser gratuita. Só se justifica em determinadas condições. Se for temporária. Se for em empresas economicamente viáveis que só estão em risco por razões de conjuntura. Se for em empresas em que depois não há distribuição de lucros – e se houver, que se comece pelos próprios trabalhadores. Se for com empresários que os mereçam, não que os esvaiam em falências fraudulentas.
O desempenho das empresas exportadoras é notável e é notório. Merecem mais atenção, mais crédito, mais reconhecimento – e mais conhecimento. Os seus gestores serão magníficos, mas quem está a vencer nos mercados não é o capital, é mesmo o trabalho. Adelino Silva Matos disse-o minutos depois de Alberto de Castro: sem os trabalhadores de há anos e a formação que lhes foi sendo dada, a A. Silva Matos não estaria hoje a abrir fábricas no Magrebe. E pensar que há pouco tempo, por vergonha do termo original, a Gestão até passou a chamar-lhes “colaboradores”…"
Pedro Santos Guerreiro
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