sábado, abril 28, 2012

Nem tanto ao mar, nem tanto à terra

"Uma das vertentes de ação do programa de assistência financeira (PAEF) a Portugal prende-se com a competitividade. O enfoque exclusivo em medidas padrão usuais, como os custos unitários de trabalho, desfavorece a perceção sobre Portugal, apesar das reconhecidas insuficiências do indicador.

Na terceira revisão do PAEF, o FMI apresenta um défice de cerca de 13-14% num índice relativo à competitividade-custo de Portugal (taxa de câmbio efetiva real via custos unitários de trabalho). Esta estimativa resulta quer da evolução relativa do índice desde 1995, período onde o défice externo português era relativamente reduzido, quer de um estudo mais amplo em que se simula a desvalorização real necessária para reduzir a metade o stock de dívida em relação ao exterior. Neste quadro, argumenta-se que os progressos na recuperação da competitividade têm sido pouco expressivos. O índice melhorou 2% a 3% desde meados de 2009.

Não se disputa a relevância do indicador, mas naturalmente revela-se exíguo para abarcar uma realidade tão complexa quanto a competitividade de um país. Consoante o discutido pelo Chefe de missão do FMI na conferência de imprensa dedicada a Portugal, apesar da redução pouco expressiva no hiato da competitividade, a realidade é mais positiva, aferida pela firmeza das exportações portuguesas.

Uma robustez que não se cinge ao tempo presente. Tomemos as quotas de mercado das exportações como uma evidência do grau de competitividade externa de um país. Os dados remontam a 1950, e provêm da base de dados da Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento (UNCTAD).

Atente-se nas seguintes estatísticas: (i) a relativa estabilidade da quota de Portugal nas exportações mundiais, que passam de 0,30% em 1950 para 0,32% em 2010; (ii) a partilha das tendências europeias no plano das quotas de exportação, tendo-se atingido um pico em meados da década de 90; (iii) fraca evidência de que Portugal tenha sido relativamente mais afetado após a introdução do euro do que outros estados membros, percecionados como mais competitivos, consoante aferido pela redução em 15% na quota de mercado mundial de Portugal contra reduções de 30% e 40% nos valores respetivos da França e do R.Unido, no período 2000-2010, tanto mais relevante quanto neste período se verificou uma integração progressiva de países da Europa de Leste e da Ásia no comércio mundial, com padrões de especialização mais próximos do português.

Acrescentam-se mais três informações: (i) nas exportações de serviços, Portugal apresenta um crescimento sustentado das quotas de mercado desde 1980, diferenciando-se do definhamento europeu; (ii) Portugal no período 1995-2010 diversifica exportações, o mesmo não acontecendo com a França, com a Alemanha ou o Reino Unido; o grau de abertura ao exterior (exportações em % do PIB) aumentou no período 2000-2010, o mesmo não se verificando para França, Espanha ou Itália.

Este grupo de estatísticas relembra a prudência de avaliação de uma realidade complexa com recurso a métricas úteis, mas de escopo limitado. Sugerem que outros fatores para além do custo atuam favoravelmente sobre as exportações portuguesas, melhorando significativamente a sua competitividade efetiva. E, num mundo onde as perceções são importantes, esta perceção interessa mudar. Também contribuem para explicar a velocidade de correção do desequilíbrio externo português, associado a maior sustentabilidade nos padrões de consumo internos, dada a resiliência do setor exportador. Mas, não asseguram o retorno rápido a padrões de vida exibidos no passado recente, para o qual poderá ajudar um maior afinco na função de arautos da nossa competitividade. São evidência de que somos melhores do que julgamos e nos fazem, mas ainda não tão bons quanto desejamos ser."

Gonçalo Pascoal

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