Corrupção sem julgamento
"Investigar PPP é incendiar enxofre: o ar torna-se náusea. Falemos de novo de Paulo Campos. Mas falemos, antes, de Alberto Pinto Nogueira. E da entrevista do procurador-geral distrital do Porto, hoje, no Negócios. É uma entrevista absolutamente estarrecedora sobre a corrupção e sobre a justiça. Não é, infelizmente, uma entrevista demolidora - este poder alapado não se demole. Comecemos onde isto tudo acaba: na impunidade. É disso que fala Pinto Nogueira. Da falta de meios nos órgãos de polícia criminal. Mas também da falta de preparação - e de empenho. Na sua própria casa, o Ministério Público. E dos magistrados que se intimidam. Onde mora a corrupção? Em todo o lado. "Sobretudo nos grandes negócios do Estado e empresas públicas". É preciso dizer mais? É, é preciso dizer mais. Pinto Nogueira tem uma vida inteira na profissão. Pelas suas mãos passaram-lhe dezenas de processos de corrupção. Vários arguidos foram condenados. Quantos estão presos? Poucos.
Mas há esta resposta lacónica: há ex-autarcas condenados, não há autarcas; há ex-governantes condenados, não há governantes. "Sempre ex", ironiza. "O poder persegue e odeia os homens livres, mas favorece, protege e promove os medíocres e os bajuladores". Num país que elege autarcas condenados, a palavra "ilegal" não incomoda muitas almas. "Escândalo" é infelizmente mais eloquente. Talvez por isso agentes da justiça acabem por gritar reformados o que escreveram durante a sua vida activa. As letras das sentenças foram sendo arquivadas. As palavras nos jornais sempre ecoam. Talvez por isso um procurador distrital, perto de deixar de o ser, assim denuncie a corrupção. Talvez por isso Carlos Moreno, agora jubilado do Tribunal de Contas, diga tantas vezes na praça pública o que ninguém ouvia nas sentenças. Vamos às PPP.
O Tribunal de Contas denunciou anexos a contratos de PPP que aumentam os encargos dos contribuintes, a favor de concessionárias e dos bancos, se determinadas contingências se verificarem no futuro. Ou seja, se o euro acabar, se a Grécia produzir contágio, se a economia for para o galheiro, se os juros dispararem, se estas "contingências" agravarem as condições dos contratos. Paulo Campos deixou um rasto de polémicas quando foi secretário de Estado. A concessão da Estradas de Portugal. As inaugurações milionárias de estradas em que ninguém percebia para onde ia o dinheiro. O aeroporto de Beja. A Fundação para as Comunicações, o Magalhães. E as concessões em si mesmas, demasiadas para o que a economia podia e as finanças permitiam. Isso foi dito e escrito milhões de vezes. Não em 2012, mas em 2007. Mas hoje escrevemos sobre o caso concreto.
Não é política, é justiça. Contextualizemos. Até porque a revelação foi menos revelação do que parece: o Negócios escreveu lençóis sobre a história, que começa simples. As concessões de estradas carecem de visto prévio do Tribunal de Contas, ou não podem ser adjudicadas. Com a crise financeira, os custos de financiamento dispararam. E o Tribunal de Contas começou a recusar esse visto porque, por causa do aumento das taxas de juro, a proposta final das concessões era mais cara do que a proposta inicial, o que violava o caderno de encargos. Criou-se um problema político. O impasse foi resolvido à portuguesa, uma espécie de desorçamentação. Os contratos voltaram aos preços iniciais e fizeram-se adendas para condições contingenciais, que não careciam de visto.
Nem foram sequer vistas. Segundo o regulador das estradas, o InIR, Paulo Campos deu ordem para essa ocultação. O ex-governante nega. Mas já agora: aqui o Negócios, que teve mais desmentidos de Paulo Campos do que nenúfares há no Japão, noticiou na altura a existência desses anexos. O Tribunal de Contas podia ter pedido para vê-los. Pediu? Se não pediu, devia ter pedido. Se pediu, não recebeu. Recebemos nós a conta: mais 705 milhões de euros. Vamos assumir a presunção do costume. Que ninguém andou a meter dinheiro ao bolso com isto. Que toda esta loucura resulta da alucinação visível no último Governo de fazer, construir, adjudicar, inaugurar, concretizar, de fazer tudo, a qualquer custo, a qualquer preço, para agradar aos autarcas, aos eleitores, aos utilizadores, até aos ministros das Finanças que queriam mais receitas na Estradas de Portugal para tirá-la do perímetro do Orçamento do Estado.
Nesse caso, as concessões foram apenas negociadas com precipitação e prejuízo futuro. Mas também a introdução de portagens nas SCUT, que obrigaram um Estado em má situação negocial dar contrapartidas a privados. Renegociando equilíbrios financeiros por exemplo na concessão do Norte Litoral. Ou, no afã de introduzir portagens na Costa da Prata e no Grande Porto, de ceder à Mota-Engil uma renda fixa do Estado. Esta presunção tem de ser mais do que o costume. Tem de ser validada. O Tribunal de Contas não é uma comissão de acompanhamento, é um tribunal. Repito: um tribunal. Como o Ministério Público, que está a investigar as PPP, é um órgão de justiça. E os crimes que está a investigar não são leves, são medonhos: corrupção, tráfico de influências, administração danosa, e participação económica em negócios. Como a Comissão de Inquérito às PPP, que está a decorrer.
A corda que está ao pescoço do PS é mais grossa do que a que faz um colar ao PSD, mas esta Comissão tem a obrigação de, se encontrar indícios, acusar alguém formalmente junto do Ministério Público. Em democracia, as políticas erradas são julgadas nas urnas, mas as políticas danosas têm outro tribunal. Paulo Campos pode considerar-se inocente. Mas não pode ignorar que está a ser julgado. Ou sai disto culpado ou sai disto inocente. Se não, o suspeito é outro: o Estado que não investiga nem pune. Aquele de que fala Alberto Pinto Nogueira: "A criminalidade aperfeiçoa-se, o Estado minimiza-se"."
Pedro Santos Guerreiro
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