A contribuição envergonhada
"Quase não há Orçamento do Estado que não tenha a sua bizarria. Já tivemos um limiano, um das fraldas, outro dos preservativos, outro das "piquenas e médias empresas" e outro ainda do leite achocolatado. A bizarria deste ano chama-se "contribuição".
"Contribuição" só, sem descritivo nem qualificativo. Nem especial, nem extraordinária, nem de solidariedade. "Contribuição" sem propósito nem fundamento, mas com uma consequência clara: castigar desempregados e doentes.
O relatório do Orçamento, que serve para os Governos explicarem as decisões que estão vertidas nos inacessíveis articulados e mapas, não traz uma linha sobre o assunto. Ficamos sem saber se ela surge porque se entende que desempregados e doentes devem dar mais um contributo para a crise. Se é uma contribuição tapa-buracos, uma forma de reduzir despesa a eito, porque "não há alternativa", "não há margem de manobra" ou porque a troika o impôs. Ou se é uma contribuição da preguiça, uma justa penalização para quem acha que os desempregados são uns mandriões, os doentes uns dissimulados e os pobres um bando bem organizado para tomar de assalto os cofres públicos.
O ministro Pedro Mota Soares também ainda não veio a público dar a cara por ela. Os jornais dos últimos dias dão eco a explicações oficiosas, segundo as quais "a contribuição" serve para calibrar o privilégio que lhes é concedido, de considerar como tempo de descontos o período em que não trabalham.
Para se perceber, a lei diz que o período que um desempregado está a receber subsídio conta para a sua reforma e para a doença, como se estivesse a trabalhar, aceitando a Segurança Social um desconto equivalente ao salário que tinha antes de cair no desemprego. O mesmo acontece para a doença. E não identificadas fontes governamentais dizem que a situação é generosa e tem de ser corrigida. Mas não chegam a explicar porque é que a correcção tem de ser feita lançando uma "contribuição" no presente, sacrificando prestações que nos últimos anos já sofreram reduções muito substanciais, em vez de simplesmente alterarem as regras do registo de equivalências e fazerem reflectir o efeito no valor futuro da pensão.
Hoje em dia, um trabalhador com um salário médio, médio-alto para os rendimentos declarados em Portugal que tenha a infelicidade de cair no desemprego é obrigado a fazer um ajustamento abrupto no seu nível de vida. Quer tenha descontado sobre 2, 3, 4 ou 5 mil euros, precisamente para segurar situações de infortúnio, só terá direito a um máximo de 1.040 euros de subsídio. Se tiver o azar de demorar mais de seis meses a encontrar nova ocupação, passa a ganhar 936 euros. E se o Parlamento sancionar a despudorada "contribuição" de 6%, fica a ganhar 880 euros. Quem receber um subsídio de 500 euros, perde 50 euros ao fim de seis meses e mais 30 euros se a tal contribuição sem nome nem paternidade avançar.
Paulo Portas, que será o guardião da consciência social do Governo, e estará muito empenhado em aliviar a austeridade sobre os mais desfavorecidos, só pode andar muito distraído. É do seu núcleo que sai uma das maiores aberrações deste orçamento. Tão aberrante que nem se atrevem a dar-lhe um nome. "
Elisabete Miranda
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