terça-feira, novembro 13, 2012

A dificuldade em flexibilizar

"Apesar do impressionante compromisso da Fed de conduzir uma flexibilização monetária agressiva, os seus efeitos sobre a economia real e sobre as acções norte-americanas poderão muito bem ser mais limitados e mais efémeros do que os efeitos das anteriores rondas de "quantitative easing".

A decisão da Reserva Federal dos Estados Unidos de levar a cabo uma terceira ronda de "quantitative easing" [QE3 – flexibilização quantitiva, ou seja, de estímulos à economia através de uma política monetária expansionista com medidas não convencionais], suscitou três questões importantes. Será que o QE3 conseguirá relançar o crescimento económico na América? Conduzirá a um aumento persistente dos activos de risco, especialmente nos EUA e noutros mercados accionistas mundiais? E, por último, os seus efeitos sobre o crescimento do PIB e sobre os mercados bolsistas serão semelhantes ou diferentes?

Muitos dizem agora que o efeito do QE3 sobre os activos de risco deveria ser tão poderoso, se não mais, como o efeito do QE1, do QE2 e da "Operação Twist" [em que se substituem as maturidades mais curtas das obrigações por prazos mais longos para aliviar a pressão sobre os juros dessas mesmas obrigações], que é o mais recente programa de compra de obrigações levado a cabo pela Fed. Afinal de contas, se bem que as rondas anteriores de flexibilização monetária nos EUA tenham estado associadas a um aumento persistente do preço das acções, a dimensão e a duração do QE3 é mais substancial. No entanto, apesar do impressionante compromisso da Fed de conduzir uma flexibilização monetária agressiva, os seus efeitos sobre a economia real e sobre as acções norte-americanas poderão muito bem ser mais limitados e mais efémeros do que os efeitos das anteriores rondas de "quantitative easing".

Antes de mais, sublinhe-se que as anteriores rondas de QE ocorreram em períodos em que a valorização e os lucros das acções eram muito menores do que actualmente. Em Março de 2009, o índice S&P 500 tinha caído para 660 pontos, os lucros por acção das empresas norte-americanas e dos bancos tinham afundado para o nível mais baixo da crise financeira e os rácios preço/lucro eram de apenas um dígito. Actualmente, o S&P 500 é mais de 100% superior (rondando os 1.430 pontos), a média do lucro por acção está próxima dos 100 dólares e os rácios preço-lucro estão acima de 14.

Mesmo durante o QE2, no Verão de 2010, o S&P500, os rácios preço-lucro e os lucros por acção estavam em níveis muito mais baixos do que actualmente. Se, como é provável, o crescimento económico nos EUA se mantiver anémico, apesar da implementação do QE3, as receitas e os lucros cairão a pique, com efeitos negativos sobre a valorização das acções.

Além disso, de momento não há suporte orçamental: o QE1 e o QE2 ajudaram a evitar uma recessão mais profunda e impediram uma recessão em forma de W (o chamado ‘double dip’), respectivamente, porque cada um destes programas estava associado a estímulos orçamentais significativos. Em contraste, o QE3 estará associado a uma contracção a nível orçamental, possivelmente mesmo a um forte ‘abismo orçamental’ [imagem usada para descrever os ajustamentos que estão programados e que passam por aumentos automáticos de impostos e cortes de despesas no final deste ano nos EUA].

Mesmo que os Estados Unidos evitem o pleno abismo orçamental de 4,5% do PIB que se prevê para o final do ano, é altamente provável que uma derrapagem orçamental de 1,5% do PIB atinja a economia em 2013. Com a economia norte-americana a crescer actualmente a um ritmo anual de 1,6%, uma derrapagem orçamental – mesmo de 1% - implica uma quase estagnação em 2013, se bem que uma modesta retoma nos sectores da habitação e da actividade industrial, de par com o QE3, possam talvez manter o crescimento dos EUA próximo do seu nível actual em 2013.

Contudo, não há uma retoma adicional no horizonte. Tanto em 2010 como em 2011, os indicadores económicos avançados revelaram que o abrandamento tocara no fundo durante o primeiro semestre e que o crescimento estava já em fase de aceleração antes dos anúncios de flexibilização monetária. Assim, o QE1 e o QE2 deram impulso a uma economia que estava já a recuperar, o que prolongou a retoma dos activos.

Em contrapartida, os mais recentes dados mostram que a economia norte-americana está tão estagnada agora como na primeira metade do ano. Com efeito, mais não seja, a debilidade do mercado de trabalho nos EUA, o baixo nível de gastos de capital e o lento crescimento dos lucros contrariaram os sinais de inícios do Verão de que o crescimento do terceiro trimestre poderia ser mais robusto.

Entretanto, os principais canais de transmissão dos estímulos monetários para a economia real – os mercados obrigacionista, cambial, bolsista e de crédito – continuam débeis, senão mesmo obstruídos. De facto, não é provável que o canal do mercado das obrigações impulsione o crescimento. As "yields" dos títulos do Tesouro de longo prazo estão já bastante baixas, e uma maior redução não irá modificar substancialmente os custos de obtenção de financiamento por parte de agentes privados.

O canal do crédito também não está a funcionar adequadamente, uma vez que os bancos acumularam a maioria da liquidez suplementar proveniente da flexibilização quantitativa, constituindo reservas excedentárias em vez de aumentarem a concessão de empréstimos. Os agentes que conseguem obter crédito têm bastante liquidez e são cautelosos com os seus gastos, ao passo que aqueles que precisam de empréstimos – famílias e empresas altamente endividadas (especialmente pequenas e médias empresas) – enfrentam uma situação de aperto do crédito.

O canal cambial também é problemático. Com o crescimento mundial a enfraquecer, é improvável que as exportações líquidas aumentem de forma sólida, mesmo com um dólar mais fraco. Além disso, muitos dos principais bancos centrais estão a implementar variantes da flexibilização quantitativa, de par com a Fed, neutralizando em parte o efeito – sobre o valor do dólar - das acções da Reserva Federal.

Mas o principal problema é talvez o facto de o efeito da depreciação do dólar sobre a balança comercial, e consequentemente sobre o crescimento, ser limitado por dois factores. Em primeiro lugar, um dólar fraco é associado a um preço mais elevado (em dólares) das matérias-primas, o que implica uma penalização na balança comercial, uma vez que os EUA são um país importador líquido de "commodities". Em segundo lugar, qualquer melhoria do PIB decorrente do aumento das exportações conduz a um aumento das importações. Estudos empíricos estimam que o impacto global de um dólar mais fraco sobre a balança comercial está perto de zero.

O único outro canal importante de transmissão das operações de flexibilização quantitativa para a economia real é o efeito de riqueza gerado por um movimento de subida do mercado bolsista. No entanto, existe alguma circularidade no argumento de que o QE3 conduzirá a um aumento persistente dos preços das acções. Uma vez que uma retoma persistente dos activos requer uma significativa retoma do crescimento do PIB, é tautológico dizer que se os preços das acções subirem o suficiente, no decurso do QE, a consequente expansão da economia graças a um efeito de riqueza justifica o aumento no preço das acções. Se os canais de transmissão da política monetária para a economia real já não funcionam, não se pode partir do princípio de que o QE terá um efeito substancial sobre o crescimento económico.

O presidente da Reserva Federal, Ben Bernanke, enfatizou recentemente a importância de um canal adicional: o canal da confiança, através do qual o compromisso da Fed de manter condições monetárias generosas durante mais tempo poderá fazer aumentar o consumo privado. A questão prende-se com o carácter substancial e duradouro que esses efeitos terão. A confiança é frágil num ambiente caracterizado por um desendividamento em curso, pelas incertezas macroeconómicas, pelo fraco crescimento do mercado laboral e pela derrapagem orçamental.

Em suma, o QE3 reduz o risco extremo de uma contracção económica pura e simples, mas é pouco provável que conduza a uma retoma sustentada da economia, que está ainda a viver um penoso processo de desendividamento. No curto prazo, o QE3 levará os investidores a assumirem riscos e estimulará uma modesta retoma dos activos. Mas o aumento do preço das acções deverá acabar por atenuar com o decorrer do tempo se o crescimento económico for decepcionante, como será provavelmente o caso, o que reduz as expectativas em torno das receitas e dos lucros das empresas."

Nouriel Roubini

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