Cortar na despesa pública é tributar os pobres
"O País rebelou-se quando o primeiro-ministro anunciou um aumento radical das contribuições sociais dos portugueses. A ignomínia de pôr os trabalhadores a financiarem a redução da taxa social única das empresas foi a gota de água, mas o que fez encher o copo de forma tão acelerada foi o simples corte salarial que, curiosamente, de todas as medidas de austeridade anunciadas, foi a mais transversal (excepto o IVA).
Passos Coelho cedeu, e bem, aos protestos, deixando cair a transferência de rendimentos do empregado para o empregador, mas manteve firme a intenção de reduzir os salários por via fiscal. É uma questão aritmética e o plano de ajustamento orçamental negociado com a troika assim o exige.
Começou então a discussão em torno da equidade dos cortes salariais e da necessidade de garantir que os ordenados mais baixos não são afectados. É de saudar esta preocupação, que Passos Coelho e os seus ministros tanto enfatizam nos seus discursos, mas é pena que só se coloque do lado da receita. Quando a austeridade se aplica por via da despesa raramente se fala na distribuição dos sacrifícios.
E por despesa entenda-se a que conta na hora de fazer as contas do Estado: os gastos com serviços públicos prestados na área da saúde, educação, transportes e protecção social. É desta despesa que Passos Coelhos nos falará quando divulgar os seus planos para 2013 e 2014.
Será que os cortes na despesa são justamente repartidos pela população portuguesa? Claro que não. O aumento das tarifas dos transportes públicos, o agravamento das taxas moderadoras, a diminuição de recursos no ensino público não afecta do mesmo modo ricos e remediados porque estes utilizam (e dependem) muito mais os serviços sociais do Estado do que aqueles.
Ora, quando chega a altura de comentar o que é equitativo ou não, o que é justo ou injusto, a avaliação depende sempre, ainda que de forma inadvertida, de quem a faz: além dos valores e ideologia, são determinantes o seu modo de vida e a sua estrutura e dimensão de rendimentos.
Uma coisa é defender, por princípio, o Serviço Nacional de Saúde. Outra coisa é precisar dele para tratar da saúde dos seus filhos; uma coisa é achar-se bem que o Estado disponha de escolas para ensinar os pobres. Outra coisa é ter os filhos a estudar na escola pública; uma coisa é defender a importância dos transportes públicos. Outra é precisar deles para ir trabalhar diariamente.
A despesa (que financia os serviços públicos) é o rendimento dos pobres. Nessa medida, os cortes na despesa pública são impostos sobre os pobres. São, por isso, altamente regressivos porque afectam mais quem menos tem, o que, em Portugal, corresponde também à maioria da população. "
Manuel Esteves
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