sexta-feira, janeiro 25, 2013

O demorado ajuste de contas da Zona Euro

"Os riscos com que a Zona Euro se depara têm vindo a diminuir desde o Verão passado, quando a saída da Grécia parecia iminente e os custos dos empréstimos a Espanha e Itália atingiam novos e insustentáveis picos. No entanto, apesar de as tensões financeiras terem atenuado, as condições económicas da periferia da Zona Euro continuam a ser precárias.

Vários factores explicam a redução dos riscos. Para começar, o programa de “transacções monetárias definitivas” do Banco Central Europeu tem sido incrivelmente eficaz: os “spreads” das taxas de juro para Espanha e Itália caíram cerca de 250 pontos base, mesmo antes de ter sido gasto um único euro que fosse na compra de obrigações soberanas. A introdução do Mecanismo Europeu de Estabilidade (MEE), que providencia mais 500 mil milhões de euros para sustentar os bancos e os governos, também ajudou, tal como o reconhecimento por parte dos líderes europeus de que uma união monetária, por si só, é instável e incompleta, sendo necessário que haja uma integração bancária, orçamental, económica e política mais profunda.

Além disso, e talvez isto tenha sido o mais importante, a atitude da Alemanha face à Zona Euro em geral, e face à Grécia em particular, mudou. Os responsáveis alemães compreendem agora que, dados os amplos vículos comerciais e financeiros, uma Zona Euro desordenada prejudica não só a periferia como também o núcleo. Eles deixaram de fazer declarações públicas acerca de uma possível saída da Grécia da união monetária e apoiaram um terceiro pacote de ajuda ao país. Enquanto Espanha e Itália continuarem vulneráveis, um revés na Grécia poderá levar a um grave efeito de contágio antes das eleições da Alemanha, que decorrem este ano, o que minaria as probabilidades de a chanceler Angela Merkel conseguir mais um mandato. Por isso, a Alemanha continuará, por enquanto, a financiar a Grécia.

No entanto, a periferia da Zona Euro não demonstra grandes sinais de retoma: o PIB continua a registar uma contracção, devido à austeridade orçamental, à excessiva força do euro, ao forte aperto do crédito mantido pela escassez de capital por parte da banca, bem como à fraca confiança das empresas e dos particulares. Além disso, a recessão na periferia está agora a alastar-se ao núcleo da Zona Euro, com o PIB da França a registar uma contracção e com a própria Alemanha a ver-se afectada, uma vez que o crescimento nos seus dois principais mercados de exportação está a ceder (resto da Zona Euro) ou a abrandar (China e restante Ásia).

Por outro lado, continuamos a assistir à balcanização da actividade económica, dos sistemas bancários e dos mercados de dívida pública, numa altura em que os investidores estrangeiros abandonam a periferia da Zona Euro para procurarem segurança no centro da mesma. Os níveis de dívida pública e privada são elevados e possivelmente insustentáveis. Ao fim e ao cabo, continua em grande parte por resolver o problema da perda de competitividade, que levou a elevados défices externos, ao mesmo tempo que as tendências demográficas adversas, os fracos ganhos de produtividade e a lenta implementação de reformas estruturais deprimem o potencial crescimento.

Nos últimos anos, tem havido alguns progressos na periferia da Zona Euro: os défices orçamentais foram reduzidos e alguns países estão já com superávits orçamentais primários (a balança orçamental, excluindo os pagamentos de juros). Da mesma forma, as perdas de competitividade foram em parte revertidas, à medida que os salários deixaram cada vez mais de acompanhar o crescimento da produtividade, o que levou à redução dos custos laborais unitários, além de que estão em marcha algumas reformas estruturais.

Contudo, no curto prazo, a austeridade, os salários mais baixos e as reformas são recessivos, ao mesmo tempo que o processo de ajustamento na Zona Euro tem sido assimétrico e recessivo/deflacionário. Os países que estavam a gastar mais do que obtinham de rendimentos tiveram de passar a gastar menos e a poupar mais, reduzindo assim os seus défices comerciais; mas países como a Alemanha, que já estavam a poupar em demasia e que registavam excedentes externos, não foram forçados a proceder a um ajuste por meio do aumento da procura interna, por isso os seus superávits comerciais continuaram a ser elevados.

Entretanto, a união monetária continua a sofrer de um desequilíbrio instável: ou a Zona Euro avança para uma integração mais plena (reforçada pela união política, que dará legitimidade democrática à perda da soberania nacional nas áreas bancárias, orçamentais e económicas), ou então passará por um processo de desunião, desintegração, fragmentação e, inevitavelmente, de desmoronamento. E se bem que os líderes da União Europeia tenham apresentado propostas para uma união bancária e orçamental, agora a Alemanha está a querer retroceder.

Os líderes alemães receiam que os elementos de partilha do risco, decorrentes de uma integração mais profunda (recapitalização dos bancos pelo MEE, um fundo comum de resolução para os bancos insolventes, garantias de depósitos à escala de toda a Zona Euro, maior autoridade orçamental da UE e mutualização da dívida), impliquem uma união de transferências no âmbito da qual a Alemanha e o núcleo da Zona Euro subsidiem, de forma unilateral e permanente, a periferia, o que é politicamente inaceitável. Segundo a Alemanha, os problemas da periferia não resultam da ausência de união bancária ou orçamental; no seu entender, os elevados défices orçamentais e os elevados níveis de endividamento reflectem um baixo potencial de crescimento e uma perda de competitividade que se devem à inexistência de reformas estruturais.

É claro que a Alemanha não consegue reconhecer que uma união monetária bem sucedida, como a dos Estados Unidos, supõe uma união bancária plena com significativa partilha dos riscos, e supõe também uma união orçamental por meio da qual os choques idiossincráticos na produção de determinados Estados são absorvidos pelo orçamento federal. Os Estados Unidos são também uma grande união de transferências, em que os Estados mais ricos subsidiam permanentemente os mais pobres.

Ao mesmo tempo, enquanto se elaboram as propostas para uma união bancária, orçamental e política, não tem havido grande debate sobre como restabelecer o crescimento no curto prazo. Os europeus estão dispostos a apertar os cintos, mas precisam de ver uma luz ao fundo do túnel, sob a forma de rendimentos e de crescimento do emprego. Se a recessão se agravar, a reacção social e política contra a austeridade será avassaladora: greves, tumultos, violência, manifestações, ascensão dos partidos políticos extremistas e colapso dos governos mais fracos. E, para estabilizar os rácios da dívida face ao PIB, o denominador tem de começar a aumentar; se assim não for, os níveis da dívida tornar-se-ão insustentáveis, apesar de todos os esforços de redução do défice.

Os riscos de cauda de uma saída da Grécia da Zona Euro ou de uma substancial perda do acesso ao mercado em Itália e em Espanha serão menores em 2013. Mas a crise fundamental da Zona Euro não está resolvida e mais um ano de fracos avanços poderá reavivar estes riscos de forma mais virulenta em 2014 e daí em diante. Infelizmente, é provável que a crise da Zona Euro se prolongue por mais alguns anos, podendo fazer-se acompanhar por reestruturações coercivas da dívida e pela saída de alguns Estados-membros da Zona Euro."
Nouriel Roubini

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