quarta-feira, janeiro 23, 2013

Espertezas não pagam dívidas

"Muita tinta correu por causa de um "desejo para 2013". A discussão nas redes sociais foi inflamada - uns apoiaram entusiasticamente o desejo, outros criticaram, dizendo que era desajustado da realidade do país, próprio de alguém que não vive o dia a dia normal dos portugueses, uma tolice.
Este desejo, o desejo de Pedro Passos Coelho de ver Portugal regressar aos mercados o mais rápido possível, tem de facto muito que se lhe diga.
Já se sabia que a tentação era forte. Os juros estavam a descer de forma acentuada nas últimas semanas, os restantes países periféricos iam emitindo dívida com forte procura, os receios do fim do Euro pareciam não ser mais do que uma memória. E aí está então uma emissão de dívida a cinco anos na forja. É uma boa notícia, sobretudo porque há alguns meses, uma emissão destas, mesmo sindicada, não parecia ter
condições para andar. Mas há sinais que é preciso ter atenção antes de proclamar vitória nos mercados.
O primeiro sinal é o facto de o termo "janela de oportunidade" ser o que mais esteve associado à possibilidade de Portugal emitir dívida de longo prazo. Vamos ver se entendi: "janela de oportunidade" pressupõe que as coisas vão ficar piores no futuro e portanto há que aproveitar o momento, certo? Ou seja, uma emissão de dívida nesta altura pode ser um regresso ao mercado em versão "chico-esperto", tão do agrado de um certo espírito português. "Vamos ao mercado agora e colocamos uns quantos milhões, se a coisa começar a dar para o torto com a execução orçamental, menos mal, pelo menos estes milhões ninguém nos tira". E o esforço dos portugueses nos últimos anos para conseguir a consolidação das contas públicas e assegurar o regresso ao financiamento resulta nisto, numa operação "oportunista", como já lhe chamaram, mas que também pode ser chamada de esperteza saloia. Bonito. Além deste argumento, há quem defenda uma emissão com o objectivo de activar o programa do Banco Central Europeu de compras de dívida em mercado secundário.
Mais uma vez o espírito prático em funcionamento - faz-se uma emissão de dívida a cinco anos, proclama-se aos quatro ventos que está feito o regresso ao mercado e o BCE a partir daí tem mais é que comprar dívida portuguesa, foi isso que prometeu, não foi? Não exactamente. O programa está desenhado para ajudar países que tenham acesso sustentado e regular ao mercado. Portugal, com uma emissão isolada de dívida de longo prazo, não deverá chegar a esse estatuto. Tal como a Irlanda ainda não conseguiu. Irlanda que, de resto, com a emissão que fez a cinco anos, se tornou no modelo para Portugal. E se a Irlanda voltou ao mercado, porque é que Portugal não pode voltar? Bem, desde logo há o facto dos problemas da Irlanda terem sido causados pela banca e não pela estrutura económica (como em Portugal) e depois há os juros no mercado secundário. Antes de ir ao mercado, a yield de Irlanda a cinco anos teve um valor médio de 3,5%, abaixo do valor cobrado a Espanha. A yield de Portugal nesta maturidade está pouco abaixo dos 5%.
A diferença é grande, e mesmo que Portugal coloque a emissão ligeiramente abaixo dos 5%, estamos a falar ainda de uma taxa elevada. O regresso aos mercados em 2013 deve ser um desígnio nacional e um objectivo a cumprir, mas não com sofreguidão e a qualquer custo. Haveria opções a considerar antes de uma emissão a cinco anos, como por exemplo repetir uma operação de troca de dívida como a que foi feita no ano passado e assegurar um aligeirar da carga de obrigações que terminam nos próximos anos. São eventos porventura menos mediaticos, mas são passos seguros. O IGCP é liderado por gente que conhece o mercado e que consegue distinguir as "janelas de oportunidade" das condições para o verdadeiro regresso aos mercados. Confiemos na sua capacidade para não embarcar em desejos"
Rúben Bicho

2 Comments:

Anonymous Nuno said...

O meu ponto fundamental é, enfim, que o regresso aos mercados deve ser encarado como positivo e não como negativo, independentemente de qualquer visão política (até porque não a tenho). Não defendo uns nem outros. Defendo aquilo que me parece ser saudável para Portugal e o regresso aos mercados é uma das coisas que considero ser. O que disse foi uma afirmação que pode ser interpretada como uma inevitabilidade. Não o era. Era mais uma esperança. Porque a economia só por si pode não chegar e disso tenho perfeita noção. Anyway, o regresso continua a ser positivo.

quarta-feira, janeiro 23, 2013  
Anonymous JJJJ said...

Concordo em toda a linha com os comentários do Nuno, e dou-lhe os parabéns por ter essa capacidade de ser sensato, algo que nos últimos tempos tem faltado em toda a sociedade portuguesa...desde governantes, a oposição, de jornalistas a ex-governantes.
Grande objetivo e um dos principais do programa de ajustamento? regresso de Portugal aos mercados! Hoje esse objetivo começa a ser mais palpável, temos indicadores de que estamos a cumprir algo a que nos propusemos. Sim, o programa foi assinado por PS/PSD/CDS, portanto trata-se de um objetivo comum, que não é dos partidos, mas sim das pessoas que estes partidos representam, que são a maioria!
Há ainda muito caminho por percorrer! Agora há que repensar o Estado, debater ideias, como criar emprego, como colocar a nossa economia no caminho certo, em que é que devemos apostar? que serviços é que queremos que o Estado nos preste? o que é que queremos pagar por esses serviços? Todos os que se preocupam quer sejam de partidos

quarta-feira, janeiro 23, 2013  

Enviar um comentário

<< Home

Divulgue o seu blog!