sábado, março 16, 2013

"A inveja do mundo"

"Para conseguir ser "a inveja do mundo" a Alemanha financia-se com o saldo líquido das suas exportações de bens, serviços e capitais, o que quer dizer que alguém anda a transferir para lá uma parte substancial do seu rendimento disponível adquirindo bens e serviços e pagando juros de capitais mutuados

Ia eu começar a escrever este meu artigo quinzenal sobre a probabilidade de se conseguir executar mais alguma reforma fiscal eficiente em Portugal (para além da já velha introdução do IVA), através do grupo de trabalho coordenado por António Lobo Xavier, quando abri o "Financial Times" de ontem.

Nele li que o Sr. Philpp Rösler, ministro da Economia da Alemanha, com modéstia, classificou a situação das finanças públicas do seu País como a "inveja do mundo".

Devo confessar que quando, depois, li as declarações, do outro ministro Alemão que mais ouvimos e lemos na Europa dos aflitos (Schaube, o das Finanças) em que anunciou que a Alemanha reduzirá a sua dívida externa líquida para ZERO em 2015, fiquei com inveja e preocupado.

Inveja, mas de toda a ajuda que a Europa deu à Alemanha, desde 1946 até à reunificação, com perdões de dívida, crédito barato, subsídios e ajudas a fundo perdido, prorrogações sucessivas dos compromissos de equilíbrio orçamental, tratados comerciais, excepções diplomáticas e eu sei lá mais o quê que lhe permitiu reconstruir-se (com muito tempo, trabalho, organização e disciplina) depois de uma Guerra que destruiu a Europa.

Preocupado, porque para conseguir ser "a inveja do mundo" a Alemanha financia-se com o saldo líquido das suas exportações de bens, serviços e capitais, o que quer dizer que alguém anda a transferir para lá uma parte substancial do seu rendimento disponível adquirindo bens e serviços e pagando juros de capitais mutuados; mais do que isso, alguém anda também a transferir para lá a inteligência, hipotecando o seu futuro.

Preocupado, também, porque estas declarações demonstram que a Chanceler Merkel está a gerir a sua intervenção pública apenas com a intenção de ganhar as eleições gerais, com votos suficientes para evitar uma coligação forçada com os sociais-democratas. Por isso não quer ouvir nem falar da solidariedade europeia, do que pensa François Hollande ou José Manuel Barroso ou de estímulos à economia europeia que os respectivos líderes se preparam para discutir e aprovar na Cimeira Europeia.

Até às eleições alemãs, política de estímulo: zero!

Por cá o falhanço orçamental que se adivinhava aconteceu, pois o modelo que serviu para elaborar o orçamento assentou em pressupostos academicamente respeitáveis, mas irreais.

A boa notícia é que o Governo finalmente se deu conta de que o País não aguenta mais austeridade, nem pode cortar a despesa pública em 4,5 mil milhões de Euros num ano ou dois. Pois se até o ministro Schaube anunciou, como se de um feito se tratasse, que a rica e invejada Alemanha vai cortar, em 2014, 5 (cinco) mil milhões de Euros, como pode um pobre e não referenciável país almejar ao mesmo?

Apesar da oposição da Alemanha, parece que a maioria dos líderes europeus entendeu que chegou o momento de abandonar a rota "austericida" e começar a utilizar no discurso político antónimos de austeridade, pois não há crescimento possível se o discurso não for optimista.

Em Portugal, não há crescimento possível e sustentável se não se reformar o sistema fiscal tornando-o eficiente e justo. E aqui volto ao texto que teria escrito se não tivesse inveja dos alemães!

A reforma substancial do IRC foi depositada numa Comissão presidida por Antonio Lobo Xavier, jurisconsulto ilustre, com amplas provas dadas na especialidade e na política.

Pouco se sabe, ainda, do que está a ser pensado. Estou em crer que se tentará criar em Portugal, ao menos em sede de IRC, um regime fiscal simples, eficaz, inteligente e amigo das empresas e dos seus detentores, com dois objectivos: convencer os empresários e accionistas portugueses a aderir a uma cultura de contribuintes proactivos no seu próprio País e os estrangeiros a considerarem Portugal como uma hipótese para a sediação, na Europa Comunitária, dos seus investimentos em alternativa à Holanda, o Luxemburgo, a Espanha e até o Chipre e a Irlanda.

Não sei se será possível tudo isto. Sei apenas que a reforma para ser eficaz tem de ser credível; e que, pelo menos no plano dos investidores e empresários estrangeiros, só será credível se for durável. E só é durável se os partidos do chamado "arco da governação" se comprometerem definitivamente na sua execução, presente e futura."

Manuel Castelo Branco

Divulgue o seu blog!