segunda-feira, março 21, 2005

O debate Direita/Esquerda

Num dos mais jovens blogs portugueses, O Idealista , li este post e não resisti comentá-lo. Para que melhor se compreenda, junto o texto original.

"Esquerda e Direita em Portugal - a jovem mediocridade I"
O texto que se segue não é uma alegoria. É um estereótipo, é certo, e peço que ninguém fique melindrado com ele. Corresponde um pouco a uma imagem que se retira da nova direita da blogosfera. Não se aplica a todos. Mas é uma descrição que procurei forte de uma imagem que fica por detrás de tudo o que se vê. Pelas coisas ditas e pelas não ditas. Pelas escolhas e pelas omissões. Não é um retrato de toda a direita. A direita é, tal como a esquerda, fundamental a Portugal. Para a semana, prometo um texto similar sobre a esquerda. Aqui vai, a bem da Nação e de todos nós.
A jovem direita de Portugal que pulula na blogosfera é, regra geral, bastante má. Por dez razões:
(i) Esta direita é incoerente. Incoerente porque pretende fazer conviver pacificamente um liberalismo económico e político que defende com unhas e dentes com um conservadorismo de ideias e mentalidades, defensor da manutenção de um status quo social elitista e estratificado. Esta incoerência de princípio (que não se traduz na impossibilidade prática de convívio destas diferentes mentalidades) ainda se torna mais gritante quando se quer juntar neste melting pot ideológico um patriotismo de bom tom, defensor da manutenção do tecido económico português, e, para mais, claramente anti-europeista.
(ii) Esta direita não lida bem com a história. Não consegue deixar de pensar que Salazar, no fundo, foi muito bom, que mantinha os comunistas na ordem e que tudo andava sereno e no melhor dos mundos. Não consegue ainda encarar o 25 de Abril com naturalidade nem diferenciar o dia da revolução e a liberdade que esta representou dos meses que se seguiram. Não consegue perceber que o PREC e a descolonização foi o resultado previsível, lógico e natural do envelhecimento de um regime que se fechou cada vez mais sobre si mesmo. Não percebeu que o que se passou foi a adolescência da nossa democracia. Apesar de ir agora perdendo a vergonha de ser de direita (o que é bom), assume-o ainda com pouca naturalidade, como um jovem que precisa de exagerar um pouco no que diz para marcar uma posição, numa atitude de desafio perante uma sociedade que julga hostil e genericamente de esquerda.
(iii) Esta direita lida mal com a fé e, em especial, com o catolicismo. Assim como a esquerda se apropriou do 25 de Abril, a direita pretendeu apropriar-se da Fé cristã. Contudo, tem tendência a apregoá-la como norma, ou como conjunto de normas morais, sobrevalorizando a dimensão pública de vivência da Fé, esquecendo-se da sua dimensão estrutural e fundacional de encontro pessoal com um Deus de amor incondicional. E esquece também muita da radicalidade evangélica que não é normativa, e que só se compreende à luz de uma entrega que nos faz imensamente mais felizes. Para mais, tem uma visão utilitarista da Fé, apropria-se dela para efeitos de combate político e tem sinceras dificuldades em compreender que possm existir católicos de esquerda. Para além disso, adere e fomenta uma Igreja próxima do poder, que luta por ele, que procura conformar a sociedade à sua imagem. Defende também uma Igreja institucional, tradicionalista, defensora historicamente dos grupos sociais mais privilegiados, por vezes até ostentatória. Apregoa a caridade (não num sentido pejorativo, que nunca uso) para a descartar da dimensão de dever de compromisso social pelos que mais sofrem. Vê a caridade como uma opção, nunca como um dever. Ou, no máximo, como um dever de conteúdo profundamente variável e individualista. Por outro lado, no seu crivo selectivo da mensagem cristã, demonstra uma curiosíssima obsessão por determinados temas. Escolhe a mensagem da Igreja que lhe convém. Acolhe esta direita os ensinamentos do Santo Padre sobre a guerra do Iraque ou sobre as consequências práticas do liberalismo económico que vivemos? Não cai no mesmo erro da esquerda, que só ouve o Santo Padre quando lhe convém?
(iv) Esta direita não tem noção da realidade de sofrimento material de 80% da sociedade portuguesa. Muita dela não tem noção do que é apanhar um barco do Seixal para Lisboa todos os dias e do que representa chegar a casa sem ter empregada para tomar conta de três filhos. Não tem noção da vida de dureza das pessoas comuns e não consegue ver o outro como um igual, como um seu irmão. Por vezes, é até elitista. O que pensa automaticamente, inconscientemente até, esta direita, quando lhe é apresentado fulano de tal, que veste fato de treino e vive na Damaia. Conseguirá conviver com esta pessoa sem preconceitos?
(v) Esta direita é uma aliança contra-natura de liberais que não querem saber da Pátria para nada com patriotas que não se ousam afirmar como anti-liberais. É triste ter de recorrer a categorias marxistas para fazer esta análise, mas, de facto, só a classe os une.
(vi) Esta direita não lida bem com o binómio trabalho/família. Apregoando uma cultura de dedicação ao trabalho e de produtividade própria de uma sociedade centrada na produção de riqueza, que tem consequências inegáveis no plano familiar (nomeadamente com o tempo disponível para lazer e para estar com os filhos), entra em contradição flagrante com o seu discurso de apoio à família. A nossa sociedade de matriz mediterrânica precisa efectivamente de tempo e de disponibilidade para a família para ser feliz. O que pensa disto esta direita? Como o compagina com a praxis de grande parte das empresas do sector financeiro em Portugal?
(vii) Esta direita não tem um projecto sério para tornar Portugal viável. Por muito que nos custe admiti-lo, as Nações não são eternas. Só existem enquanto merecerem existir. E, a verdade é que, no pós 74, Portugal, sem os Territórios Ultramarinos, parece dificilmente viável. É urgente mudar isto, para não desaparecermos. Não acha esta direita que é altura de perceber que a portugalidade é uma forma de estar no mundo que o enriquece e que lhe traz um contributo de inegável valor? Não será um crime deixar que a portugalidade desapareça da face da terra? Não está esta direita esquecida das suas responsabilidades?
(viii) Esta direita despreza o ambiente. De facto, e salvo raras excepções, acha que o movimento ecologista é coisa para fanáticos que não gostam de campos de golfe e de hotéis em cima de falésias. É uma pena, mas não tem consciência da importância e da fulcralidade da problemática ambiental nas sociedades contemporâneas. O tempo se encarregará de mostrar que estão errados. A preservação da Terra deveria ser uma bandeira da direita.
(ix) Esta direita lida mal com a solidariedade. Não a encara como um dever e tem sinceras dificuldades em perceber a enorme obrigação histórica e humana que temos perante o terceiro mundo. Esta direita não gosta, como já antes se referiu, de ver a exigência da caridade. Tem mesmo dificuldade em ir à sua etimologia. Às vezes, a caridade é até uma bandeira. De acordo que não deve ser vivida como uma obrigação. Mas da caridade nascem exigências inegáveis muito concretas perante a tragédia dos homens. E isto é esquecido por esta direita, que prefere os objectivos espúrios mas estimulantes de uma real politik aos deveres de solidadariedade para com o resto dos homens. É triste quando se transforma um método num fim em si mesmo.
(x) Finalmente, esta direita renega-se. Renega as suas raízas culturais e ideológicas em troca de um modelo anglo-saxónico que não nos fará mais felizes. Esquece-se de toda a construção sensata, racional, capaz de entender os homens que o tomismo construiu. Esquece-se que somos - em grande parte - latinos e mediterrânicos. Esquece-se que somos o povo das oliveiras, dos sobreiros e dos carvalhos. Que fizemos os socalcos do Douro. Que assim vivemos há muitos anos e que soubemos ser razoavelmente felizes e, até, entre erros e sucessos, dar algumas coisas ao mundo. Mas, o mais grave, é que se começam a aceitar, como racional e razoável, ideias contrárias a todo um acervo cultural de séculos, que procurou distinguir o certo do errado, que procurou limitar o uso da violência e explicar as razões porque os homens se agregam para serem felizes. Compreende-se a maneira como esta direita parece aceitar Guantanamo e a doutrina da guerra preventiva? Já nos esquecemos de Vitória e de Suarez?

Depois de tudo isto, um abraço de agradecimento ao dono deste blog pelo convite que hoje me endereçou.
O Ilustre
posted by Idealista at
4:35 PM on Mar 18 2005


Agora o meu comentário.

É verdade que os meus 38 anos já não me habilitam a ser considerado jovem... mas, como penso que o qualificativo se destina não à classe etária mas às ideias, arrisco!
(1) Não vejo qual é a incoerência entre o Conservadorismo e o Liberalismo! E nem entendo como é possível não se compreender que as realidades económicas e políticas obedecem a uma dinâmica diferente da dos Valores; nem que a Economia e a Política tratam da conjuntura (são produtos adaptáveis da "espuma-dos-tempos") enquanto que os Valores emanam e lidam com a essência do Humano... e que, por isso, são estáveis (mais: exigem estabilidade para poderem actuar com eficácia)!
(2) A relação com a História. Esta é uma das charlas mais recorrentes e das mais vazias de conteúdo. Já a esquerda lida extraordinariamente bem com a História... com os mais de 200 milhões de mortos fruto da cegueira idealista de que as esquerdas ufanamente se orgulham! Quando falam desses mortos (no caso da descolonização) como algo «previsível, lógico e natural»... então está tudo claro! E se terminam a dizer que o PREC foi a adolescência da Democracia então das duas uma: ou não o sofreram ou então andaram a beneficiar dele e a condenar bois seminais à morte por manifestamente serem capitalistas (bem disse o outro - Jean-Paul Sartre - que cá veio na altura e regressou tão depressa quanto pode, deixando a melhor das classificações do PREC: "Um manicómio em auto-gestão"!
(3) Sobre a Fé, não falo! Até porque me ofende profundamente que alguém queira fazer comentários sobre o que não conhece e ainda - armado em filisteu - se atreve a comentar as causas íntimas dos comportamentos religiosos alheios!Mas não deixo passar a questão da Paz: esta é a prova de quem nada percebe sobre o assunto e julga que os nomen são usados de modo indiferentemente. Ou seja, como não sabe o conteúdo do conceito católico de Paz usa-o num sentido errado: o do pacifismo, o daquele que desiste e aceita que o injusto triunfe pelo medo! É não conhecer nada e pretender ensinar tudo aos outros!
(4) Sou de Direita e confesso: a viagem barco do Seixal para Lisboa não conheço! Mas conheço bem a do Barreiro para Lisboa... também andei algumas vezes no cacilheiro e umas quantas - poucas (apenas quando havia greve!) - no do Montijo (quando ainda eram um trajecto de 1 hora).
Será que serve?!?
(5) Para esta peço - exige-se - esclarecimento...
(6) Se para a anterior pedia-se esclarecimento, para esta prescreve-se um tratamento compulsório!!!
Desde quando trabalho e família são incompatíveis?!? E desde quando o aumento da produtividade é incompatível com uma melhor vida familiar?!? Só se for com o actual modelo em que a desorganização produtiva permite que haja uma escassíssima produtividade no dia-a-dia... sendo o débito laboral mínimo alcançado apenas pelas horas extraordinárias. Só quem continua a funcionar na matriz marxista é que não percebe que a produtividade se mede pela intensidade/hora e não pela quantidade/hora...
(7) Ao contrário do que a sua falta de atenção lhe permite ver, há uma direita que sabe o que quer para o País... só que não lhe é autorizada a divulgação nos media que usa consultar!
Todavia, quero ressaltar o momento em que a sua pena fugiu para a verdade: de como a principal pretensão (consciente ou inconscientemente) prosseguida pela nossa folclórica de retardados esquerdistas "soixante-huitards" durante o PREC (a "descolonização") foi a tentativa de criar condições para a emissão da certidão de óbito a Portugal (senão como explicar que os delírios do "esquerdismo" hajam cessado após o abandono da última Província Ultramarina, Angola?!?)...
Qual a alternativa que propõe?
E fala da "portugalidade"... a mesma que, nos últimos 30 anos, a esquerda tudo fez para destruír com recurso ao domínio que alcançou no sector educativo! A mesma esquerda que incensa a UE e adere a tudo o que seja a uniformização e padronização dos povos para, nessa pretendida indistinção, fazer fundar a "nação europeia"... ou "nação universal"!
(8) Sobre o ambiente... é só rir: vê tudo com recurso a piadas e caricaturas!
Imagine o que se diria se eu escrevesse que os ecologistas são confundíveis com aqueles outros (o "Green Peace") que um dia atacaram uma estação petrolífera de uma companhia... e se soube depois que, para tanto, foram pagos por uma companhia concorrente! Ou que agora toda a esquerda fala da seca mas esquece que o nível do Alqueva não pode subir acima de um certo valor porque alguns "ecologistas" o impediram com o argumento de que colocaria em risco (repito, "em risco") algumas zonas que se supõe servir para as actividades de copulação (se bem me está a perceber?!?) de umas cegonhas norte-africanas (e aqui, acredite, a origem das ditas nada tem de importante)!!!
(9) Sobre a solidariedade não lhe admito lições. Para mim é um fazer e não um dizer. É um estar no terreno a ajudar quem precisa e não a "mandar umas bocas" a exigir que se aumentam as dotações para pagar uns estudos!
Volta a falar de Caridade e, não desconhecendo que, para os Católicos, é um termo de conteúdo muito claro e específico, prefere usar aqueloutro em tempos tão popularizado por reitores naqueles tempos investidos em baladeiros do reviralho PRECista!
Quanto ao 3º Mundo, a sua principal dificuldade reside no deficit de seriedade dos seus líderes: preferem gastar na guerra do que investir nos seus cidadãos; preferem a pedinchice (cujo êxito lhes é assegurado pela pertença às "obediências" adequadas) ao trabalho!
(10) "Prontos",... faltava a incoerência final: agora temos uma esquerda (pretensamente) nacionalista! Então a democracia é o quê senão um modelo de organização política de origem anglo-saxónica?!?
E depois, uma vez mais demonstrando não perceber nada da poda, ataca com o tomismo e faz uma das afirmações mais espantosas: «o homem que o tomismo construiu»?
Excuse-moi ?!?
(para evitar um anglicismo)
Explique lá isso, porque - se bem me recordo - os momentos em que houve mais hipóteses e meios para cunhar modelos de diferentes Homems (o Nazismo e o Comunismo) foram derrotados!
Quanto ao Vitória e ao Suarez as perguntas devolvem-se: onde estava quando vigorava a "Doutrina Brejnev"? O que tem a dizer sobre a pretensão "clintoniana" de autorização de ingerência nos assuntos internos de um Estado em razão de interesses humanitários? Finalmente, se os "residentes" de Guantanamo foram isolados em consequência de uma acção desenvolvida em situação militar (autorizada/sancionada pela ONU e na sequência do atentado de 11 de Setembro), que palavras reserva para os prisioneiros de consciência que Fidel Castro mantém ali bem perto?

Com ansiedade, aguardo as palavras do favor de uma resposta... ou comentário,

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