Uma Aspirina Política
É claro que a medida do governo Sócrates em permitir a venda de medicamentos não sujeitos a receita médica fora das farmácias é apenas para desviar a atenção das contradições internas e do disparate que já se adivinha, mas não deixa de ser uma grande medida. Fiquei surpreendido por todos os blogs - da esquerda à direita - terem aprovado esta medida: o grau de unanimismo devia fazer-nos repensar se será assim uma medida tão corajosa.
As farmácias em Portugal são o caso mais gritante do que os economistas chamam rent-seeking. Sectores ou corporações cujo único objectivo é convencer o Estado a conferir-lhes rendas. Rendas são todos os rendimentos recebidos por determinados factores de produção acima do que receberiam na sua melhor alternativa - a renda que o Figo recebe por jogar à bola é a diferença entre o seu salário e um salário na segunda actividade que ele faça melhor. Há rendas boas e rendas más. O Figo é produtivo, e há quem valorize e esteja disposto a pagar toda a renda que ele aufere; as farmácias não. Não produzem nada, e por isso mesmo procuram avidamente rendas sobre os seus meios de produção - velhos, antipáticos, desajustados à realidade. O que é facto é que conseguem. Com o argumento que só eles podem dar aconselhamento especializado, conseguem que o Estado lhes confira monopólio sobre a comercialização dos medicamentos, o que equivale a preços tão altos como eles queiram (os consumidores não têm propriamente muita margem de manobra quando se trata da própria saúde). O argumento que só eles podem dar aconselhamento é, no entanto, totalmente desprovido de sentido: um paciente pode simplesmente ir a quantas farmácias conhece e comprar apenas uma embalagem em cada, reunindo quantos pacotes quiser. Além disso não me lembro de nenhum farmacêutico me dizer: olhe, não tome muito dessas aspirinas que isso faz mal. Se me dissesse, possivelmente sorriria com ar cínico e desejar-lhe-ia um resto de bom dia.
Em Londres, há muito tempo que se pode comprar paracetamol a 20 pence a embalagem de 20 e vitaminas a 1 libra a embalagem de 30 doses diárias, por exemplo. O argumento que os ingleses sofrem de sobre-dosagens é tão ridículo que só mesmo os farmacêuticos portugueses o conseguem dizer. Além disso estou certo que a poluição dos carros é pior que tomar uma aspirina a mais em dia de ressaca, e não me quererão convence que apenas os farmacêuticos podem, pois, conduzir. O extremo de uma medida liberal para as farmácias é, paradoxalmente, a sua nacionalização. É isso que defendo. Ou, pelo menos, a competição por parte de farmácias do Estado, que vendessem os medicamentos a custo de produção - vocês sabem o preço da aspirina: dividam por 20 pence (60 euros) e logo aí têm a margem de lucro das farmácias privadas. É que as farmácias, por precisarem de um farmacêutico licenciado e por existir limite físico ao número que podem existir, constituem um monopólio natural, mas extremamente perverso, porque vive da incapacidade que os pacientes têm de substituir o produto das farmácias por outro qualquer: não se substituem medicamentos. E quem paga são os doentes. E todos os contribuintes. Que são doentes. Sofrem da hipocrisia dos farmacêuticos.
As farmácias em Portugal são o caso mais gritante do que os economistas chamam rent-seeking. Sectores ou corporações cujo único objectivo é convencer o Estado a conferir-lhes rendas. Rendas são todos os rendimentos recebidos por determinados factores de produção acima do que receberiam na sua melhor alternativa - a renda que o Figo recebe por jogar à bola é a diferença entre o seu salário e um salário na segunda actividade que ele faça melhor. Há rendas boas e rendas más. O Figo é produtivo, e há quem valorize e esteja disposto a pagar toda a renda que ele aufere; as farmácias não. Não produzem nada, e por isso mesmo procuram avidamente rendas sobre os seus meios de produção - velhos, antipáticos, desajustados à realidade. O que é facto é que conseguem. Com o argumento que só eles podem dar aconselhamento especializado, conseguem que o Estado lhes confira monopólio sobre a comercialização dos medicamentos, o que equivale a preços tão altos como eles queiram (os consumidores não têm propriamente muita margem de manobra quando se trata da própria saúde). O argumento que só eles podem dar aconselhamento é, no entanto, totalmente desprovido de sentido: um paciente pode simplesmente ir a quantas farmácias conhece e comprar apenas uma embalagem em cada, reunindo quantos pacotes quiser. Além disso não me lembro de nenhum farmacêutico me dizer: olhe, não tome muito dessas aspirinas que isso faz mal. Se me dissesse, possivelmente sorriria com ar cínico e desejar-lhe-ia um resto de bom dia.
Em Londres, há muito tempo que se pode comprar paracetamol a 20 pence a embalagem de 20 e vitaminas a 1 libra a embalagem de 30 doses diárias, por exemplo. O argumento que os ingleses sofrem de sobre-dosagens é tão ridículo que só mesmo os farmacêuticos portugueses o conseguem dizer. Além disso estou certo que a poluição dos carros é pior que tomar uma aspirina a mais em dia de ressaca, e não me quererão convence que apenas os farmacêuticos podem, pois, conduzir. O extremo de uma medida liberal para as farmácias é, paradoxalmente, a sua nacionalização. É isso que defendo. Ou, pelo menos, a competição por parte de farmácias do Estado, que vendessem os medicamentos a custo de produção - vocês sabem o preço da aspirina: dividam por 20 pence (60 euros) e logo aí têm a margem de lucro das farmácias privadas. É que as farmácias, por precisarem de um farmacêutico licenciado e por existir limite físico ao número que podem existir, constituem um monopólio natural, mas extremamente perverso, porque vive da incapacidade que os pacientes têm de substituir o produto das farmácias por outro qualquer: não se substituem medicamentos. E quem paga são os doentes. E todos os contribuintes. Que são doentes. Sofrem da hipocrisia dos farmacêuticos.
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