Arrastão mental.
"Há por aí um grande arrastão mental à volta dos acontecimentos em Carcavelos. De um lado, existe pânico. Do outro, irresponsabilidade verbal pura e simples. Até há quem diga, imagine a dona Ermelinda, que não houve nada. Ou então que houve uma brisa - causada pelos polícias, esses mauzões, que perseguiram uma data de jovens que estavam a fazer jogging na praia. Segundo o que, aqui e ali, se lê e se ouve (depois do discurso de uma Ana Drago que parece ter voltado à postura intelectualmente pueril da Conversa Privada), até parece que há quem queira proibir as pessoas de ter medo. Voltámos à escola primária: quem tem medo é um mariquinhas. Desculpem-me, mas digo já: antes ser um mariquinhas do que uma personalidade de tipo robótico. Porque não há nada mais intrinsecamente e naturalmente humano do que o medo. Aliás, não ter medo é anti-humano. O que está em causa - naqueles que, aqui e ali, negam que houve algo de excepcional naquele lugar e naquele momento - é uma questão muito singela. Uma atitude de fundo perante as pessoas.
Chamemos-lhe paternalismo. Ou maternalismo. Abreviemos a coisa desta forma: o discurso daqueles que agora vêm gritar que não houve nada (mesmo nada) em Carcavelos é igualzinho ao discurso que muitas mães têm em relação aos seus filhotes. Eles podem ter partido o carro do vizinho e incendiado a escola, mas, segundo essas progenitoras, não têm culpa de nada. «O meu Tozé? Não. Ele é tão sossegado e tão bom rapazinho. O problema são os outros que o provocam.» Ponhamos as coisas nestes termos: eu, amanhã, se me apetecer (e se não tiver vergonha de passear o meu descuidado corpanzil pelos areais), não deixarei de passar por Carcavelos. Mas, assumo-o, vou com alguma cautela (vi imagens e tive informações suficientes que me levam a ter essa atitude). Como vou com igual cautela para outros territórios menos longínquos do quarto andar sem elevador. Pois se há duas semanas, em plenos Restauradores, assisti a um assalto a um carro vazio. Sereníssimo. Mais sereno não poderia ter sido. Sob a sereníssima luz de um dia de semana. "
Da Capital.
1 Comments:
That's a great story. Waiting for more. »
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