Reconfigurar as urgências.
"Sem qualquer tipo de justificação racional, apareceram, desde 2001, 34 serviços de urgência cuja necessidade nunca foi demonstrada.
O Serviço Nacional de Saúde (SNS) português é uma caixinha de surpresas. O documento para audição pública produzido pela Comissão Técnica de Apoio ao Processo de Requalificação das Urgências (CTAPRU), trouxe-nos uma nova interrogação sobre a racionalidade da gestão dos últimos 20 anos de SNS.
Para nosso espanto, constatamos que, sem qualquer tipo de justificação racional apareceram, desde 2001, 34 serviços de urgência (SU) não formais. Ou seja, dos actuais 73 SU apenas 39 tinham sido formalmente criados. Os outros, não eram ‘formais’!
Refeitos da surpresa, ele há outras questões para o debate. Ao contrário do apregoado em alguns foruns mediatizados, a proposta preconiza, de facto, um alargamento da rede de SU. Dos 39 formais, definidos em 2001, para 83 propostos para a nova rede. Mesmo incluindo os 34 que surgiram informalmente (?), a proposta continua a preconizar um aumento efectivo.
O que confunde a população é a reclassificação dos SU existentes em 3 níveis de diferenciação: 1) Serviço Urgência Polivalente (SUP) preparado para as situações clinicamente mais exigentes; 2) Serviço de Urgência Médico-Cirúrgica (SUMC) preparado para responder a situações de complexidade intermédia; 3) Serviços de Urgência Básica (SUB) a situar, em larga escala, em Centros de Saúde (CS). Confunde a população que o seu SU possa ser “reclassificado”. E sem explicação sistemática, o processo continuará confuso.
Há que observar, por outro lado, que não é apresentada qualquer argumentação técnica para justificar a existência dos três níveis. Sendo que alguma investigação recente preconiza diferentes abordagens com mais ou menos níveis, esta não é uma questão menor. Neste aspecto, a pré-definição imposta pela legislação poderá ter limitado as opções dos técnicos. Poderá, até, ter eliminado algumas alternativas inovadoras.
O relatório contém algumas recomendações muito discutíveis que proponho para debate: a) as linhas de Sintra e/ou Cascais não terão um único Serviço de Urgência Polivalente? b) com que racional se justificam três SUP dentro da cidade de Lisboa? c) em Loures, onde se planeia um grande hospital, haverá apenas uma pequena urgência? d) A região centro terá um número de SU superior ao norte ainda que tenha bastante menos população? e) ainda na região centro, dois dos SUP estão em Coimbra, e um outro em Viseu. A região oriental (Covilhã, Guarda, Castelo Branco) ficou esquecida?
Por outro lado, o relatório levanta dúvidas metodológicas só desculpáveis porque nenhum dos membros da comissão é investigador ou académico. Apesar do meu respeito e empatia por estes profissionais de indiscutível competência clínica, esta fragilidade afecta, por tabela, a sua argumentação. O documento agora disponibilizado não tem referências concretas aos estudos internacionais em que se baseou. E a pesquisa nas resvistas científicas de gestão da Saúde, indica-nos uma grande diversidade de modelos que poderiam justificar outras recomendações, quiçá mais racionais e sem questionar a equidade. Preocupados com a sustentabilidade do SNS?
Atentemos também no facto de, aparentemente, se ter perdido a oportunidade de partilhar o risco com os novos hospitais em Parceria Público-Privado, que ficaram fora desta reconfiguração. Ou seja, para o Estado, a oportunidade para modernizar, a expensas privadas, uma parte significativa da rede de urgências do país parece ter passado ao lado, tal como uma diversidade de novas abordagens organizacionais. Por exemplo, em 2001, a Audit Commission, do Reino Unido, publicou o relatório ‘Reforming Emergency Care’ que clarificava opções organizacionais e desafios de competências multi-profissionais necessárias para satisfazer as novas necessidades de cuidados de Saúde das populações. Este relatório português parece ter-se auto-limitado a uma visão geográfica e quilométrica do fenómeno. Não faz qualquer alusão à evolução do perfil do utilizador dos SU, à exclusão dos médicos de medicina interna do centro deste processo, às elevadas taxas de reinternamentos, não alude à escassez de médicos especialistas em grandes áreas geográficas, nem ao facto de mais de 50% dos utentes dos SU não serem caracter urgente, conforme comprovado pelo Protocolo de Triagem de Manchester.
Ainda não constatamos, como os finlandeses, que mais de metade dos problemas de Saúde se resolvem fora SU e com o apoio do sector social."
Paulo Kuteev Moreira
O Serviço Nacional de Saúde (SNS) português é uma caixinha de surpresas. O documento para audição pública produzido pela Comissão Técnica de Apoio ao Processo de Requalificação das Urgências (CTAPRU), trouxe-nos uma nova interrogação sobre a racionalidade da gestão dos últimos 20 anos de SNS.
Para nosso espanto, constatamos que, sem qualquer tipo de justificação racional apareceram, desde 2001, 34 serviços de urgência (SU) não formais. Ou seja, dos actuais 73 SU apenas 39 tinham sido formalmente criados. Os outros, não eram ‘formais’!
Refeitos da surpresa, ele há outras questões para o debate. Ao contrário do apregoado em alguns foruns mediatizados, a proposta preconiza, de facto, um alargamento da rede de SU. Dos 39 formais, definidos em 2001, para 83 propostos para a nova rede. Mesmo incluindo os 34 que surgiram informalmente (?), a proposta continua a preconizar um aumento efectivo.
O que confunde a população é a reclassificação dos SU existentes em 3 níveis de diferenciação: 1) Serviço Urgência Polivalente (SUP) preparado para as situações clinicamente mais exigentes; 2) Serviço de Urgência Médico-Cirúrgica (SUMC) preparado para responder a situações de complexidade intermédia; 3) Serviços de Urgência Básica (SUB) a situar, em larga escala, em Centros de Saúde (CS). Confunde a população que o seu SU possa ser “reclassificado”. E sem explicação sistemática, o processo continuará confuso.
Há que observar, por outro lado, que não é apresentada qualquer argumentação técnica para justificar a existência dos três níveis. Sendo que alguma investigação recente preconiza diferentes abordagens com mais ou menos níveis, esta não é uma questão menor. Neste aspecto, a pré-definição imposta pela legislação poderá ter limitado as opções dos técnicos. Poderá, até, ter eliminado algumas alternativas inovadoras.
O relatório contém algumas recomendações muito discutíveis que proponho para debate: a) as linhas de Sintra e/ou Cascais não terão um único Serviço de Urgência Polivalente? b) com que racional se justificam três SUP dentro da cidade de Lisboa? c) em Loures, onde se planeia um grande hospital, haverá apenas uma pequena urgência? d) A região centro terá um número de SU superior ao norte ainda que tenha bastante menos população? e) ainda na região centro, dois dos SUP estão em Coimbra, e um outro em Viseu. A região oriental (Covilhã, Guarda, Castelo Branco) ficou esquecida?
Por outro lado, o relatório levanta dúvidas metodológicas só desculpáveis porque nenhum dos membros da comissão é investigador ou académico. Apesar do meu respeito e empatia por estes profissionais de indiscutível competência clínica, esta fragilidade afecta, por tabela, a sua argumentação. O documento agora disponibilizado não tem referências concretas aos estudos internacionais em que se baseou. E a pesquisa nas resvistas científicas de gestão da Saúde, indica-nos uma grande diversidade de modelos que poderiam justificar outras recomendações, quiçá mais racionais e sem questionar a equidade. Preocupados com a sustentabilidade do SNS?
Atentemos também no facto de, aparentemente, se ter perdido a oportunidade de partilhar o risco com os novos hospitais em Parceria Público-Privado, que ficaram fora desta reconfiguração. Ou seja, para o Estado, a oportunidade para modernizar, a expensas privadas, uma parte significativa da rede de urgências do país parece ter passado ao lado, tal como uma diversidade de novas abordagens organizacionais. Por exemplo, em 2001, a Audit Commission, do Reino Unido, publicou o relatório ‘Reforming Emergency Care’ que clarificava opções organizacionais e desafios de competências multi-profissionais necessárias para satisfazer as novas necessidades de cuidados de Saúde das populações. Este relatório português parece ter-se auto-limitado a uma visão geográfica e quilométrica do fenómeno. Não faz qualquer alusão à evolução do perfil do utilizador dos SU, à exclusão dos médicos de medicina interna do centro deste processo, às elevadas taxas de reinternamentos, não alude à escassez de médicos especialistas em grandes áreas geográficas, nem ao facto de mais de 50% dos utentes dos SU não serem caracter urgente, conforme comprovado pelo Protocolo de Triagem de Manchester.
Ainda não constatamos, como os finlandeses, que mais de metade dos problemas de Saúde se resolvem fora SU e com o apoio do sector social."
Paulo Kuteev Moreira
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