Bárbaros e neandertais.
"A menos de um mês do referendo sobre o aborto, já por aí andam os primeiros sinais daquilo que vai ser a campanha: uma reedição da gritaria de 1998, com as duas partes de goelas escancaradas e ouvidos tapados. Os defensores do "sim" tratam os do "não" como se fossem os últimos vestígios dos neandertais na Península Ibérica; os defensores do "não" tratam os do "sim" como uma versão actualizada dos bárbaros que mergulharam o Ocidente na Idade das Trevas. Em resumo: sobra em apocalipse o que falta em bom senso.
Se há assunto sobre o qual faz sentido utilizar a horrível expressão "tema fracturante", é mesmo este. Cada vez que se fala em aborto, a sociedade divide-se ao meio, o debate absorve o oxigénio que há no ar, o consenso é manifestamente impossível. Não há volta a dar- -lhe. E, perante isto, o Estado português só tinha uma coisa a fazer: afastar-se. Daniel Oliveira disse o essencial no Expresso: "Os Estados democráticos só devem criminalizar uma conduta quando ela seja consensualmente condenada pela sociedade. Quando esse consenso não exista, devem deixar para cada um o direito e o dever de, nas suas opções de vida, serem fiéis às suas certezas morais." Muito bem dito. Infelizmente, Daniel Oliveira, como quase todos os defensores do "sim", esqueceu-se de tirar a conclusão seguinte: o Estado retirar-se é retirar-se totalmente, por inteiro, e não deixar para trás um Sistema Nacional de Saúde que, apesar de falido, ainda arranja uns trocos para realizar abortos - acabando assim por utilizar o dinheiro de todos para um acto que muitos consideram criminoso e moralmente repugnante.
Este é o ponto. Diante de uma questão irresolúvel, em que nenhuma das partes está disposta a lançar pontes, e onde ambas têm argumentos aceitáveis, a única solução razoável é essa terceira via: a abstenção estatal. Só que neste país pensar em manter o Estado longe de qualquer problema social parece o mesmo que negar pão a um faminto. Assim, tudo continua na mesma: a mesma pergunta, os mesmos argumentos, a mesma confusão. E no próximo dia 11, muito provavelmente, o mesmo resultado. "
João Miguel Tavares
Se há assunto sobre o qual faz sentido utilizar a horrível expressão "tema fracturante", é mesmo este. Cada vez que se fala em aborto, a sociedade divide-se ao meio, o debate absorve o oxigénio que há no ar, o consenso é manifestamente impossível. Não há volta a dar- -lhe. E, perante isto, o Estado português só tinha uma coisa a fazer: afastar-se. Daniel Oliveira disse o essencial no Expresso: "Os Estados democráticos só devem criminalizar uma conduta quando ela seja consensualmente condenada pela sociedade. Quando esse consenso não exista, devem deixar para cada um o direito e o dever de, nas suas opções de vida, serem fiéis às suas certezas morais." Muito bem dito. Infelizmente, Daniel Oliveira, como quase todos os defensores do "sim", esqueceu-se de tirar a conclusão seguinte: o Estado retirar-se é retirar-se totalmente, por inteiro, e não deixar para trás um Sistema Nacional de Saúde que, apesar de falido, ainda arranja uns trocos para realizar abortos - acabando assim por utilizar o dinheiro de todos para um acto que muitos consideram criminoso e moralmente repugnante.
Este é o ponto. Diante de uma questão irresolúvel, em que nenhuma das partes está disposta a lançar pontes, e onde ambas têm argumentos aceitáveis, a única solução razoável é essa terceira via: a abstenção estatal. Só que neste país pensar em manter o Estado longe de qualquer problema social parece o mesmo que negar pão a um faminto. Assim, tudo continua na mesma: a mesma pergunta, os mesmos argumentos, a mesma confusão. E no próximo dia 11, muito provavelmente, o mesmo resultado. "
João Miguel Tavares
0 Comments:
Enviar um comentário
<< Home