domingo, fevereiro 18, 2007

O pós-referendo.

"No referendo de domingo, a maioria dos votantes decidiu que o Estado não pode manter a lei penal existente sem a pesar com a decisão livre da mulher. Decidiu por isso a legalização do aborto dentro das condições previstas na pergunta. Mas se a campanha serviu para alguma coisa, foi também porque àquelas condições se acrescentaram outras, implícitas: primeiro, o aborto legalizado não se faria em Portugal sem prévio aconselhamento médico, de carácter obrigatório; segundo, o serviço nacional da saúde deveria estar presente, para evitar a conversão do aborto num negócio de clínicas privadas; terceiro, mesmo sabendo que a legalização levaria ao aumento dos abortos, a alteração da lei não deveria impedir que, a longo prazo, o Estado continuasse empenhado em diminuir esse número.

Não sei se, nesta fase pós-referendo, o PS escolheu imitar a ambiguidade que tomou conta do PSD na campanha. Ou se, depois do discurso da moderação nos últimos meses, resolveu agora aderir aos eufemismos do Bloco, recusando qualquer influência sobre a decisão da mulher e refugiando-se em consultas "não directivas". As declarações de Alberto Martins rejeitando qualquer condicionamento à liberdade da mulher são um triste retrato dessa ambiguidade, como se um condicionamento pudesse ser visto como uma restrição e não existissem outros valores a ponderar. O que está agora em causa já não é a penalização do aborto - é a atitude do Estado perante uma realidade que suscita na sociedade fortes sentimentos de rejeição ética. Para muitos dos que votaram "sim", não é aceitável que o Estado assuma uma posição demissionária ou neutral. O mesmo Estado que tenta persuadir as pessoas para deixarem de fumar, não se divorciarem, fazerem dieta e desporto, esse mesmo Estado não terá uma palavra a dizer (de desincentivo) a quem decide fazer um aborto? Há aqui uma óbvia desordem de valo- res. O "não" e o "sim" acabaram. O mínimo que devemos pedir ao Estado, quando não lhe podemos pedir mais nada, é alguma coerência ética. O PS que pense bem
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Pedro Lomba

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