Pela dignidade das mulheres, voto Não!
por João Titta Maurício
Uma das falácias mais repetidas nesta campanha é que o Sim não obriga ninguém a abortar. De facto, tal como hoje, o aborto será sempre um exercício de um poder individual. Mas a formação das vontades individuais é estimulada ou condicionada pelo ambiente social envolvente. E se fosse aprovada esta legislação que, irrestritamente, admite o aborto a pedido, não podem restar dúvidas da mensagem que se estaria a transmitir às mulheres e à comunidade: de que a Vida humana – no seu início assim como já o é no seu fim! – é susceptível de ser limitada quanto à sua legitimidade para exigir protecção. E o que nos é proposto votar é que o Estado se exima, se exclua da responsabilidade de proteger a Vida humana até às 10 semanas. Ou seja, o Estado propõe-se, através desta legislação, a afirmar que a protecção concedida pelo art. 24º da CRP (que exige a inviolabilidade da Vida humana) deva ser limitada apenas aos seres humanos com mais de 10 semanas de gestação. Ou seja, numa das matérias mais evidentemente insusceptíveis de limitação por via infra-constitucional, o Estado português procura fugir às suas responsabilidades. E quais são as respostas que devemos exigir do Estado?
No decurso deste debate sobre o aborto, muitas coisas aconteceram. Algumas feias. Muito feias, mesmo. Mas outras foram maravilhosas.
Foi desagradável, foi desnecessário o clima de chantagem emocional que temos assistido. Não consigo saber se ele é causa ou consequência da crispação que tem afectado todos os debates, excessivamente emocionais e caracterizados por uma surdez absurda aos argumentos alheios.
Mas foi magnífico, foi sublime, foi inspirador as descobertas que fiz e que quero partilhar. Participei em visitas a algumas instituições na área de Lisboa que, confesso, não conhecia. Foi das experiências que me fizeram sentir, a um tempo, vergonha, e a outro, Esperança.
Vergonha, por não as conhecer. Vergonha, por ser a primeira vez que as visitava. Vergonha, por nunca as ter apoiado. Vergonha, principalmente, pela cobardia de nunca ter participado em coisa semelhante e de pouco mais ter feito que levar uma palavra de apreço às mulheres e aos homens que fazem do voluntariado um serviço à causa que proporciona às mulheres grávidas uma verdadeira alternativa ao desespero.
Mas, ao mesmo tempo, senti orgulho. Não por mim ou pelo que eu tivesse feito. Mas por redescobrir o orgulho de pertencer à mesma espécie humana daqueles homens e daquelas mulheres, que todos os dias, voluntária e graciosamente, com imenso sacrifício pessoal e familiar, dão provas de uma enorme solidariedade, de uma verdadeira Caridade aos outros, aos que mais têm falta e no momento que mais precisam.
Estou a falar, em concreto, da “Ajuda de Berço” e da “Ajuda de Mãe”, duas instituições que visitei e que, hoje sei, não são únicas. Porque há outras. Que fazem trabalho semelhante... e que, do Estado, recebem as migalhas do costume. Quem as visita compreende que é ali que está a verdadeira e a boa resposta que, no seu desespero, as mulheres grávidas procuram e anseiam. Não lhes oferecem o aborto como panaceia para os seus males... mas propõem-lhes caminhar com elas para os ultrapassarem.
Porque não é através da berraria mediatizada entre o SIM e o NÃO que se encontram as soluções. Porque não há um absoluto direito à Vida e nem pode haver uma irrestrita, ilimitada e absoluta tutela do poder de abortar. A solução só pode encontrada em propostas como aquelas. Onde se dá uma oportunidade à mulher, onde ela é ajudada a afastar a causa do desespero que a força a fazer aquilo que ninguém acredita ser a sua vontade. Nenhuma mulher sã quer abortar. Mas as condições da sua existência podem obrigá-la a inclinar-se a fazê-lo. Ali ela é acolhida. Ali é-lhe proporcionado apoio que lhe permite uma escolha que não a ditada pelo desespero. E o relato dos voluntários que dão vida àquelas instituições é fantástico: mesmo quando o desespero parece ser o único caminho, a esmagadora maioria das mulheres que os contactam acabam por ter os filhos, encontrar um sentido e uma esperança e hoje vivem com os seus filhos e acreditam que o pior já passou.
Foi aí que comecei a perceber e a formular aquela que, para mim, é a razão do meu NÃO em 11 de Fevereiro: se ninguém é a favor do aborto, se todos o reconhecem como um mal e uma experiência profundamente traumática, se todos querem combater o aborto clandestino, então que nos concentremos no problema verdadeiro. Se o problema é o aborto, se o trauma é causado pelo aborto, se muitas das causas da clandestinidade subsistem mesmo se o aborto fosse legalizado, então de que serve trocar o aborto clandestino pelo aborto asseadinho? Não se continuava a matar um filho por nascer? Não continuava o sofrimento e a dor pela perda que mulher nenhuma jamais esquece? E não continuavam bem presentes as condições terríveis que foram o motivo que a forçou ao aborto?
Ao invés, se a comunidade concentrar os seus esforços na ajuda às mulheres grávidas, no apoio que lhes permita ultrapassar a condição de sofrimento sócio-económico ou pessoal que é causa da angústia desesperante que aponta o aborto como solução, então talvez não só diminuíssem os abortos clandestinos, como teríamos uma sociedade mais humana. E, isso, desde 1998, resultou em cerca de 80.000 mulheres que foram acompanhadas e mais de 25.000 crianças que nasceram... e tudo isto com um apoio do Estado de apenas cerca de 1/3 do custo total. Já agora, isso quer dizer, em números absolutos, que cada uma das instituições recebe cerca de €100.000/ano… bem menos do que os €10.000.000/ano anunciados como disponíveis para pagar não o custo de um terço, mas o custo total dos abortos. Isto para não falar da completa ausência de apoio aos casais com dificuldades de fertilidade. Tem sido esta a orientação. Se calhar é natural que continue com o apoio ao aborto.
Não faço juízos morais sobre os propósitos de ambos os lados. Apenas constato soluções diferentes, com motivações diferentes: de um lado, há uma proposta de um SIM pela higiene como resposta ao desespero; do outro, um NÃO que proporciona dignidade e exige um apoio real que possa gerar Esperança.
Até porque temos de acreditar que há sempre alguém que não desiste e há sempre alguém que quer dizer NÃO!
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