A decisão em foco.
"Em relação à decisão do Supremo Tribunal de Justiça que tem estado em foco (a da condenação do “Público” a pagar uma indemnização por ofensa ao bom nome de pessoa colectiva – o “Sporting Clube de Portugal”), a informação que tem sido dada pelos órgãos de comunicação social, desde a imprensa escrita aos meios audiovisuais, assenta em factos deturpados, o que já vem sendo habitual com outras decisões comentadas publicamente. E era muito fácil, neste caso, veicular informação correcta, se quem tem informado ou comentado, desde que de boa-fé, tivesse adoptado esse comportamento tão simples e tão elementar e deontologicamente exigível que seria consultar a própria fonte, para o que bastaria ir ao “site” do STJ e ler a própria decisão, que foi disponibilizada na Internet logo que o caso começou a ser badalado. Tão fácil e tão exigível, que até parece que o único móbil que tem norteado essa divulgação é pura e simplesmente a de transmitir uma informação deturpada, onde nem sequer falta a cansada alusão à “coutada do macho ibérico”, como aconteceu com um jornalista (acho que é jornalista) do “Expresso”.
Até Sousa Tavares, que, além de jornalista e comentador altamente cotado, é formado em Direito, fez o seu comentariozinho indignado sem ler a decisão. E até – pasme-se! – um juiz desembargador se atreveu a fazer comentários no 2.º Canal da televisão sem ter lido ou percebido minimamente (não me atrevo a ir mais longe no meu juízo) a decisão que foi criticar, atribuindo o seu pressuposto carácter asnático ao facto de os juízes do Supremo andarem na roda dos 60 anos de idade. Incrível! Mas o referido juiz não deu provas de maior arejamento de ideias.
Devo dizer que não concordo inteiramente com todas as afirmações que se fazem no texto da decisão, mas concordo seguramente com a afirmação de que a verdade é irrelevante do ponto de vista da lesão do bem jurídico que é suposto estar em causa – o bom nome da pessoa colectiva. Pois não sabem essa coisa elementar que é a verdade não ser critério jurídico em questões de atentado ao bom nome ou à honra das pessoas? A verdade é apenas elemento integrante da causa de justificação. Ou seja, o crime não é punível, se: 1.º - a divulgação for feita para satisfazer o interesse público de informar ou qualquer interesse legítimo e 2.º - se provar a verdade da imputação ou houver fundamento sério para, em boa-fé, se reputar como verdadeira, sendo certo que a boa-fé fica excluída, quando o agente não tiver cumprido o dever de informação que, segundo as circunstâncias do caso, seja requerida.
No caso, não estava em causa a apreciação do crime, mas apenas a ilicitude da conduta, apreciada em termos civis, obedecendo a critérios que não são muito diferentes dos enunciados, com a ressalva de que, enquanto o ilícito criminal exige o dolo, a obrigação de indemnizar se basta com a prática do facto por mera negligência.
Ora, em primeiro lugar: ao contrário do que tem sido propalado, não ficou provado que fosse verdadeiro o facto imputado à pessoa colectiva, ou, para transcrevermos exactamente o facto dado como provado: O autor nunca foi notificado pela Administração Fiscal, dando-lhe conhecimento de que fosse devedor de quatrocentos e sessenta milhões de escudos e ou para proceder ao seu pagamento, e quando contactado pelos réus sobre o teor da notícia em causa, no dia anterior à publicação, desmentiu-a prontamente, referindo-lhes inclusive que o ⌠Sporting⌡ não deve à administração fiscal quatrocentos e sessenta milhões de escudos, e que nunca foi notificado ou teve conhecimento por qualquer meio que tal dívida existisse ou que devesse proceder ao seu pagamento.
Este facto já vem da decisão da 1.ª instância e, aliás, não podia ser aditado ou alterado pelo Supremo, porque este só julga de direito e não de facto.
Em segundo lugar, ante a factualidade provada, o Supremo considerou (e aqui, sim, já se trata de matéria de direito que o STJ apreciou de maneira diversa das instâncias) que o “Público”, ou seja, os jornalistas envolvidos na publicação da notícia não cumpriram o dever de informação que o caso requeria, nomeadamente por, tratando-se de matéria coberta pelo sigilo fiscal (de natureza absoluta, ao tempo) e não a tendo podido confirmar perante a entidade competente, deveriam ter agido de maneira diversa, mais cautelosa e com outra diligência prévia na investigação dos factos. Por outro lado, o jornal não se limitou aos factos, mas enveredou pelo terreno da opinião, fazendo passar a ideia de que o clube visado não cumpria as suas obrigações fiscais, tendo os seus dirigentes cometido o crime de abuso de confiança fiscal, punido com pesada pena de prisão.
Assim, ao contrário do decidido nas instâncias, o Supremo não teve como verificada a causa de justificação da conduta ilícita, condenando os responsáveis a título de negligência.
Ora, isto é completamente diferente da versão que tem sido, dolosa ou negligentemente apresentada em público. Que se critique a decisão é uma coisa – e ela poderá ser eventualmente passível de crítica (não é disso que curo agora); que se deturpe a verdade dos factos, recorrendo à falsificação, é outra coisa, e não abona nada (é o mínimo que se pode dizer) da seriedade da comunicação social, nem dos comentadores que têm vindo criticar a decisão na base dessa deturpação. Se houvesse um mínimo de responsabilidade deontológica, os jornalistas que, por negligência, divulgaram os factos falseadamente (já não falo, evidentemente, dos que o fizeram intencionalmente) só tinham uma coisa a fazer: assumir publicamente o erro e repor a verdade dos factos.
PS – Um recado para o Supremo Tribunal de Justiça: é preciso reagir com prontidão às frequentes deturpações das decisões deste tribunal, não bastando a mera publicação na Internet do texto dessas decisões. Está visto que essa publicação, por acinte ou negligência de quem devia lê-las e interpretá-las, não resulta. Por outro lado, é preciso tomar a iniciativa na divulgação de decisões que não são conhecidas em termos mediáticos, mas em que há interesse em serem conhecidas publicamente. E não só decisões, mas outros factos relevantes. Tudo isso pressupõe uma boa assessoria de imprensa."
Artur Costa, Juiz Conselheiro do Supremo Tribunal no Sine Die
Até Sousa Tavares, que, além de jornalista e comentador altamente cotado, é formado em Direito, fez o seu comentariozinho indignado sem ler a decisão. E até – pasme-se! – um juiz desembargador se atreveu a fazer comentários no 2.º Canal da televisão sem ter lido ou percebido minimamente (não me atrevo a ir mais longe no meu juízo) a decisão que foi criticar, atribuindo o seu pressuposto carácter asnático ao facto de os juízes do Supremo andarem na roda dos 60 anos de idade. Incrível! Mas o referido juiz não deu provas de maior arejamento de ideias.
Devo dizer que não concordo inteiramente com todas as afirmações que se fazem no texto da decisão, mas concordo seguramente com a afirmação de que a verdade é irrelevante do ponto de vista da lesão do bem jurídico que é suposto estar em causa – o bom nome da pessoa colectiva. Pois não sabem essa coisa elementar que é a verdade não ser critério jurídico em questões de atentado ao bom nome ou à honra das pessoas? A verdade é apenas elemento integrante da causa de justificação. Ou seja, o crime não é punível, se: 1.º - a divulgação for feita para satisfazer o interesse público de informar ou qualquer interesse legítimo e 2.º - se provar a verdade da imputação ou houver fundamento sério para, em boa-fé, se reputar como verdadeira, sendo certo que a boa-fé fica excluída, quando o agente não tiver cumprido o dever de informação que, segundo as circunstâncias do caso, seja requerida.
No caso, não estava em causa a apreciação do crime, mas apenas a ilicitude da conduta, apreciada em termos civis, obedecendo a critérios que não são muito diferentes dos enunciados, com a ressalva de que, enquanto o ilícito criminal exige o dolo, a obrigação de indemnizar se basta com a prática do facto por mera negligência.
Ora, em primeiro lugar: ao contrário do que tem sido propalado, não ficou provado que fosse verdadeiro o facto imputado à pessoa colectiva, ou, para transcrevermos exactamente o facto dado como provado: O autor nunca foi notificado pela Administração Fiscal, dando-lhe conhecimento de que fosse devedor de quatrocentos e sessenta milhões de escudos e ou para proceder ao seu pagamento, e quando contactado pelos réus sobre o teor da notícia em causa, no dia anterior à publicação, desmentiu-a prontamente, referindo-lhes inclusive que o ⌠Sporting⌡ não deve à administração fiscal quatrocentos e sessenta milhões de escudos, e que nunca foi notificado ou teve conhecimento por qualquer meio que tal dívida existisse ou que devesse proceder ao seu pagamento.
Este facto já vem da decisão da 1.ª instância e, aliás, não podia ser aditado ou alterado pelo Supremo, porque este só julga de direito e não de facto.
Em segundo lugar, ante a factualidade provada, o Supremo considerou (e aqui, sim, já se trata de matéria de direito que o STJ apreciou de maneira diversa das instâncias) que o “Público”, ou seja, os jornalistas envolvidos na publicação da notícia não cumpriram o dever de informação que o caso requeria, nomeadamente por, tratando-se de matéria coberta pelo sigilo fiscal (de natureza absoluta, ao tempo) e não a tendo podido confirmar perante a entidade competente, deveriam ter agido de maneira diversa, mais cautelosa e com outra diligência prévia na investigação dos factos. Por outro lado, o jornal não se limitou aos factos, mas enveredou pelo terreno da opinião, fazendo passar a ideia de que o clube visado não cumpria as suas obrigações fiscais, tendo os seus dirigentes cometido o crime de abuso de confiança fiscal, punido com pesada pena de prisão.
Assim, ao contrário do decidido nas instâncias, o Supremo não teve como verificada a causa de justificação da conduta ilícita, condenando os responsáveis a título de negligência.
Ora, isto é completamente diferente da versão que tem sido, dolosa ou negligentemente apresentada em público. Que se critique a decisão é uma coisa – e ela poderá ser eventualmente passível de crítica (não é disso que curo agora); que se deturpe a verdade dos factos, recorrendo à falsificação, é outra coisa, e não abona nada (é o mínimo que se pode dizer) da seriedade da comunicação social, nem dos comentadores que têm vindo criticar a decisão na base dessa deturpação. Se houvesse um mínimo de responsabilidade deontológica, os jornalistas que, por negligência, divulgaram os factos falseadamente (já não falo, evidentemente, dos que o fizeram intencionalmente) só tinham uma coisa a fazer: assumir publicamente o erro e repor a verdade dos factos.
PS – Um recado para o Supremo Tribunal de Justiça: é preciso reagir com prontidão às frequentes deturpações das decisões deste tribunal, não bastando a mera publicação na Internet do texto dessas decisões. Está visto que essa publicação, por acinte ou negligência de quem devia lê-las e interpretá-las, não resulta. Por outro lado, é preciso tomar a iniciativa na divulgação de decisões que não são conhecidas em termos mediáticos, mas em que há interesse em serem conhecidas publicamente. E não só decisões, mas outros factos relevantes. Tudo isso pressupõe uma boa assessoria de imprensa."
Artur Costa, Juiz Conselheiro do Supremo Tribunal no Sine Die
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