Pagar imposto sobre imposto
"Pode o legislador português “dar a volta ao texto” das regras europeias e evitar estas duplas tributações? A resposta é afirmativa. O tema da dupla tributação na área dos impostos sobre o consumo está na ordem do dia. Publica-se um novo diploma que reestrutura a tributação do sector automóvel e ouvem-se os operadores contestar o facto de o IVA continuar a incidir sobre o Imposto Automóvel (IA). Recentemente, um grupo de portugueses apresentou uma petição ao Provedor de Justiça no sentido de este requerer ao Tribunal Constitucional que declare a inconstitucionalidade da norma do IVA que implica a incidência do mesmo sobre o Imposto sobre os Produtos Petrolíferos e Energéticos (ISP).
Por outro lado, são conhecidas as ideias, ainda que moderadas, do sector das bebidas alcoólicas quanto à tributação excessiva que incide sobre alguns dos seus produtos, em parte devido ao facto de o IVA, também aqui, incidir sobre o Imposto sobre o Álcool e as Bebidas Alcoólicas.
A mesma questão se coloca quanto ao IVA sobre o Imposto sobre o Tabaco, quanto ao IMT sobre o IVA ou mesmo, pasme-se, às situações de IVA sobre IVA (sim, tais situações existem e estão a coberto da Lei). O consumidor, baralhado, lá vai pagando sem verdadeiramente se aperceber, as mais das vezes, quanto do que paga é efectiva receita do vendedor e quanto se dirige aos cofres do Estado. São as virtudes daquilo a que apelidamos de “anestesia fiscal” dos impostos sobre o consumo (normalmente pagamos sem o sentir enquanto imposto). Naturalmente, quando estes assuntos vêm à baila, o português larga um sentido queixume, com o habitual (muitas vezes justo) desabafo de que aquilo que paga de impostos não tem o retorno que deveria e merecia ter. E mais confuso fica quando lhe dizem que isto que lhe impõem é ilegal, que é contrário à Constituição.
Se a explicação técnica é fácil, concordar com a opção política poderá nem sempre o ser.
Primeiro a explicação. O IVA baseia-se em regras da União Europeia que, diga-se em termos simplistas, se sobrepõem às normas portuguesas, incluindo a nossa Constituição. Uma dessas regras dita que o IVA deve incidir sobre todos os impostos que façam parte do preço do bem ou serviço que está a ser vendido ou prestado. Ora, cabendo a liquidação dos impostos especiais sobre o consumo que referi (ISP, IA, IABA e IST) a quem transmite os bens ao consumidor final (muitas vezes até mesmo a um agente anterior na cadeia económica), não temos outra solução que não seja considerar que tais impostos fazem parte do preço do bem a ser transmitido, pelo que também sobre essa componente deve incidir IVA.
Esta foi, de modo genérico, a justificação dada pelo Provedor de Justiça à petição que lhe foi apresentada. Naturalmente, está correcta de um ponto de vista técnico. Mas o que dizer da opção política? Pode o legislador português “dar a volta ao texto” das regras europeias e evitar estas duplas tributações? A resposta é afirmativa, por exemplo, quanto ao IA. Um dos argumentos em que se apoiam alguns dos que combatem este estado de coisas tem sido o da existência de um Acórdão do Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias que declara a desconformidade com o Direito Europeu de se pretender fazer incidir IVA sobre o equivalente ao nosso IA na Dinamarca.
Estamos, então, perante uma incoerência? Se a situação portuguesa for apresentada ao Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias este irá declarar que não pode o nosso IVA incidir sobre o IA? Para ambas as perguntas a resposta é não. E é não porque a opção do nosso legislador não foi a mesma do legislador dinamarquês. Enquanto o IA em Portugal é devido pelo “importador” do automóvel (normalmente a empresa que representa a marca em Portugal), sendo, portanto, parte do preço que é cobrado ao consumidor final, o legislador dinamarquês optou por fazer incidir sobre o próprio consumidor final a responsabilidade de liquidar o equivalente ao IA junto do Fisco. Desta forma, o IA dinamarquês não faz parte do preço que o consumidor final tem que pagar ao vendedor, pelo que não deve incidir IVA sobre o mesmo…
Trata-se, portanto, de uma questão de opção política. Se é certo que da forma como a nossa legislação se encontra o IVA tem que incidir sobre o IA, é também certo que o legislador pode, querendo, evitar tal facto. Assim haja vontade…"
Afonso Arnaldo
Por outro lado, são conhecidas as ideias, ainda que moderadas, do sector das bebidas alcoólicas quanto à tributação excessiva que incide sobre alguns dos seus produtos, em parte devido ao facto de o IVA, também aqui, incidir sobre o Imposto sobre o Álcool e as Bebidas Alcoólicas.
A mesma questão se coloca quanto ao IVA sobre o Imposto sobre o Tabaco, quanto ao IMT sobre o IVA ou mesmo, pasme-se, às situações de IVA sobre IVA (sim, tais situações existem e estão a coberto da Lei). O consumidor, baralhado, lá vai pagando sem verdadeiramente se aperceber, as mais das vezes, quanto do que paga é efectiva receita do vendedor e quanto se dirige aos cofres do Estado. São as virtudes daquilo a que apelidamos de “anestesia fiscal” dos impostos sobre o consumo (normalmente pagamos sem o sentir enquanto imposto). Naturalmente, quando estes assuntos vêm à baila, o português larga um sentido queixume, com o habitual (muitas vezes justo) desabafo de que aquilo que paga de impostos não tem o retorno que deveria e merecia ter. E mais confuso fica quando lhe dizem que isto que lhe impõem é ilegal, que é contrário à Constituição.
Se a explicação técnica é fácil, concordar com a opção política poderá nem sempre o ser.
Primeiro a explicação. O IVA baseia-se em regras da União Europeia que, diga-se em termos simplistas, se sobrepõem às normas portuguesas, incluindo a nossa Constituição. Uma dessas regras dita que o IVA deve incidir sobre todos os impostos que façam parte do preço do bem ou serviço que está a ser vendido ou prestado. Ora, cabendo a liquidação dos impostos especiais sobre o consumo que referi (ISP, IA, IABA e IST) a quem transmite os bens ao consumidor final (muitas vezes até mesmo a um agente anterior na cadeia económica), não temos outra solução que não seja considerar que tais impostos fazem parte do preço do bem a ser transmitido, pelo que também sobre essa componente deve incidir IVA.
Esta foi, de modo genérico, a justificação dada pelo Provedor de Justiça à petição que lhe foi apresentada. Naturalmente, está correcta de um ponto de vista técnico. Mas o que dizer da opção política? Pode o legislador português “dar a volta ao texto” das regras europeias e evitar estas duplas tributações? A resposta é afirmativa, por exemplo, quanto ao IA. Um dos argumentos em que se apoiam alguns dos que combatem este estado de coisas tem sido o da existência de um Acórdão do Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias que declara a desconformidade com o Direito Europeu de se pretender fazer incidir IVA sobre o equivalente ao nosso IA na Dinamarca.
Estamos, então, perante uma incoerência? Se a situação portuguesa for apresentada ao Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias este irá declarar que não pode o nosso IVA incidir sobre o IA? Para ambas as perguntas a resposta é não. E é não porque a opção do nosso legislador não foi a mesma do legislador dinamarquês. Enquanto o IA em Portugal é devido pelo “importador” do automóvel (normalmente a empresa que representa a marca em Portugal), sendo, portanto, parte do preço que é cobrado ao consumidor final, o legislador dinamarquês optou por fazer incidir sobre o próprio consumidor final a responsabilidade de liquidar o equivalente ao IA junto do Fisco. Desta forma, o IA dinamarquês não faz parte do preço que o consumidor final tem que pagar ao vendedor, pelo que não deve incidir IVA sobre o mesmo…
Trata-se, portanto, de uma questão de opção política. Se é certo que da forma como a nossa legislação se encontra o IVA tem que incidir sobre o IA, é também certo que o legislador pode, querendo, evitar tal facto. Assim haja vontade…"
Afonso Arnaldo
3 Comments:
O princípio é muito bonito: realmente é uma falta de vergonha o estado impôr ao cidadão um imposto, não sobre o rendimento, o património, mais valias, ou outro qual quer bem, mas por... ter pago um outro imposto! Mas o tema é meramente formal, como fez questão de afirmar e formalizar o ministro das finanças ao definir o princípio orientador de "NÃO REDUÇÃO DE RECEITAS" à equipa que revê a dupla tributação. Fica tudo mais claro mas pagaremos exactamente o mesmo, sem um cêntimo de redução. O resultado é só um e eu posso fazê-lo já aqui dado o caracter elementar da matemática envolvida: o consumidor paga actualmente Preço_base x (1 + IA) x (1 + IA) ou seja Preço_base + Preço_base x (1 + IA + IVA + IA x IVA). Sem a dupla tributação o preço será Preço_base x (1 + IA + IA) ou seja Preço_base + Preço_base x (IA + IA). Para não haver redução de receita temos Novo_IA = IA + IA x IVA. Na prática fica claro que o já escandaloso IA é mais alto sem a esperteza saloia da dupla tributação. Só não percebo é o que a dita comissão tarda tanto tempo com contas tão simples! E o contribuinte a pagar-lhes os honorários...
Não desanimemos. Os impostos praticados em Portugal...são desumanos. Paga-se e qual é o retorno na educação, na saúde, na segurança ? Pouco mais que zero ! Para além do PM...bastava o Ministério dos Impostos. Nunca mais aprendemos !
vontade de baixar os impostos? em Portugal? Nem agora, que não se justifica pelo estado do Estado, nem nunca. Quando se justificou, poder político contratou funcionários públicos e aumentou as regalias dos já existentes para ganhar eleições. O resultado deste descalabro está à vista. É o legado Guterres, típico das Repúblicas das Bananas.
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