sábado, maio 12, 2007

Pagar imposto sobre imposto

"Pode o legislador português “dar a volta ao texto” das regras europeias e evitar estas duplas tributações? A resposta é afirmativa. O tema da dupla tributação na área dos impostos sobre o consumo está na ordem do dia. Publica-se um novo diploma que reestrutura a tributação do sector automóvel e ouvem-se os operadores contestar o facto de o IVA continuar a incidir sobre o Imposto Automóvel (IA). Recentemente, um grupo de portugueses apresentou uma petição ao Provedor de Justiça no sentido de este requerer ao Tribunal Constitucional que declare a inconstitucionalidade da norma do IVA que implica a incidência do mesmo sobre o Imposto sobre os Produtos Petrolíferos e Energéticos (ISP).

Por outro lado, são conhecidas as ideias, ainda que moderadas, do sector das bebidas alcoólicas quanto à tributação excessiva que incide sobre alguns dos seus produtos, em parte devido ao facto de o IVA, também aqui, incidir sobre o Imposto sobre o Álcool e as Bebidas Alcoólicas.

A mesma questão se coloca quanto ao IVA sobre o Imposto sobre o Tabaco, quanto ao IMT sobre o IVA ou mesmo, pasme-se, às situações de IVA sobre IVA (sim, tais situações existem e estão a coberto da Lei). O consumidor, baralhado, lá vai pagando sem verdadeiramente se aperceber, as mais das vezes, quanto do que paga é efectiva receita do vendedor e quanto se dirige aos cofres do Estado. São as virtudes daquilo a que apelidamos de “anestesia fiscal” dos impostos sobre o consumo (normalmente pagamos sem o sentir enquanto imposto). Naturalmente, quando estes assuntos vêm à baila, o português larga um sentido queixume, com o habitual (muitas vezes justo) desabafo de que aquilo que paga de impostos não tem o retorno que deveria e merecia ter. E mais confuso fica quando lhe dizem que isto que lhe impõem é ilegal, que é contrário à Constituição.

Se a explicação técnica é fácil, concordar com a opção política poderá nem sempre o ser.

Primeiro a explicação. O IVA baseia-se em regras da União Europeia que, diga-se em termos simplistas, se sobrepõem às normas portuguesas, incluindo a nossa Constituição. Uma dessas regras dita que o IVA deve incidir sobre todos os impostos que façam parte do preço do bem ou serviço que está a ser vendido ou prestado. Ora, cabendo a liquidação dos impostos especiais sobre o consumo que referi (ISP, IA, IABA e IST) a quem transmite os bens ao consumidor final (muitas vezes até mesmo a um agente anterior na cadeia económica), não temos outra solução que não seja considerar que tais impostos fazem parte do preço do bem a ser transmitido, pelo que também sobre essa componente deve incidir IVA.

Esta foi, de modo genérico, a justificação dada pelo Provedor de Justiça à petição que lhe foi apresentada. Naturalmente, está correcta de um ponto de vista técnico. Mas o que dizer da opção política? Pode o legislador português “dar a volta ao texto” das regras europeias e evitar estas duplas tributações? A resposta é afirmativa, por exemplo, quanto ao IA. Um dos argumentos em que se apoiam alguns dos que combatem este estado de coisas tem sido o da existência de um Acórdão do Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias que declara a desconformidade com o Direito Europeu de se pretender fazer incidir IVA sobre o equivalente ao nosso IA na Dinamarca.

Estamos, então, perante uma incoerência? Se a situação portuguesa for apresentada ao Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias este irá declarar que não pode o nosso IVA incidir sobre o IA? Para ambas as perguntas a resposta é não. E é não porque a opção do nosso legislador não foi a mesma do legislador dinamarquês. Enquanto o IA em Portugal é devido pelo “importador” do automóvel (normalmente a empresa que representa a marca em Portugal), sendo, portanto, parte do preço que é cobrado ao consumidor final, o legislador dinamarquês optou por fazer incidir sobre o próprio consumidor final a responsabilidade de liquidar o equivalente ao IA junto do Fisco. Desta forma, o IA dinamarquês não faz parte do preço que o consumidor final tem que pagar ao vendedor, pelo que não deve incidir IVA sobre o mesmo…

Trata-se, portanto, de uma questão de opção política. Se é certo que da forma como a nossa legislação se encontra o IVA tem que incidir sobre o IA, é também certo que o legislador pode, querendo, evitar tal facto. Assim haja vontade
…"

Afonso Arnaldo

3 Comments:

Anonymous Anónimo said...

O princípio é muito bonito: realmente é uma falta de vergonha o estado impôr ao cidadão um imposto, não sobre o rendimento, o património, mais valias, ou outro qual quer bem, mas por... ter pago um outro imposto! Mas o tema é meramente formal, como fez questão de afirmar e formalizar o ministro das finanças ao definir o princípio orientador de "NÃO REDUÇÃO DE RECEITAS" à equipa que revê a dupla tributação. Fica tudo mais claro mas pagaremos exactamente o mesmo, sem um cêntimo de redução. O resultado é só um e eu posso fazê-lo já aqui dado o caracter elementar da matemática envolvida: o consumidor paga actualmente Preço_base x (1 + IA) x (1 + IA) ou seja Preço_base + Preço_base x (1 + IA + IVA + IA x IVA). Sem a dupla tributação o preço será Preço_base x (1 + IA + IA) ou seja Preço_base + Preço_base x (IA + IA). Para não haver redução de receita temos Novo_IA = IA + IA x IVA. Na prática fica claro que o já escandaloso IA é mais alto sem a esperteza saloia da dupla tributação. Só não percebo é o que a dita comissão tarda tanto tempo com contas tão simples! E o contribuinte a pagar-lhes os honorários...

sábado, maio 12, 2007  
Anonymous Anónimo said...

Não desanimemos. Os impostos praticados em Portugal...são desumanos. Paga-se e qual é o retorno na educação, na saúde, na segurança ? Pouco mais que zero ! Para além do PM...bastava o Ministério dos Impostos. Nunca mais aprendemos !

sábado, maio 12, 2007  
Anonymous Anónimo said...

vontade de baixar os impostos? em Portugal? Nem agora, que não se justifica pelo estado do Estado, nem nunca. Quando se justificou, poder político contratou funcionários públicos e aumentou as regalias dos já existentes para ganhar eleições. O resultado deste descalabro está à vista. É o legado Guterres, típico das Repúblicas das Bananas.

sábado, maio 12, 2007  

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