terça-feira, junho 26, 2007

Assassinar o líder

"Se assassinar um tirano leva à transição para a democracia ou acaba uma guerra dolorosa, valerá a pena tentar fazê-lo?

Há duas semanas, a casa do primeiro-ministro palestiniano foi atingida por um míssil. De acordo com o meu ex-colega de turma, Ben Olken, pelo mundo fora as tentativas de assassinato de líderes não são a excepção, mas sim a norma. Desde 1950, em cada três anos houve duas tentativas de assassinato.

Juntamente com outro colega, Ben Jones, ele criou uma base de dados com todas as tentativas de assassinato de chefes de Estado desde 1875. Nos dados, encontram-se as duas tentativas bem sucedidas em Portugal: a de Dom Carlos em 1908, e a do ditador Sidónio Paes em 1918.

No entanto, são mais os falhanços do que os sucessos: só 20 a 25% das tentativas obliteram o alvo. A probabilidade de sucesso varia bastante com o método utilizado. Das tentativas que usaram uma arma de fogo, 28% foram bem sucedidas, enquanto que os engenhos explosivos só matam o alvo em 5% dos casos. A maioria dos assassinatos (96%) ocorre em solo nacional, e são ligeiramente maiores as tentativas levadas a cabo por apenas um indivíduo (60%) por oposição a um grupo de homens (40%). A probabilidade de sucesso de indivíduos e grupos é quase a mesma, mas os grupos tendem a matar mais pessoas para além do líder (5,6) do que os ataques individuais (0,4).

Com estes dados, podemos perguntar: que efeitos tem o assassinato? Se, por exemplo, assassinar um tirano leva à transição para a democracia ou acaba uma guerra dolorosa, valerá a pena tentar fazê-lo? Embora existam centenas de estudos em ciência política e relações internacionais que discutem estes temas ‘ad nauseum’, os economistas Jones e Olken são, aparentemente, os primeiros a usar sistematicamente dados para obter respostas credíveis.

A primeira descoberta destes investigadores é que o assassinato de um autocrata aumenta, entre 13 a 19%, a probabilidade de ocorrer uma transição para democracia no ano seguinte. Para ver se esta transição é permanente, os autores olham também para a probabilidade de, nos 20 anos seguintes, haver subsequentes transições democráticas entre líderes. O assassinato de um autocrata aumenta esta probabilidade em cerca de 16 a 21%. Já o assassinato de um líder democrático não tem efeito significativo nas instituições governativas.

Em contrapartida, quando a tentativa de assassinato falha, a probabilidade de transição para a democracia decresce ligeiramente no ano seguinte (1%). Pior ainda, a probabilidade de transições democráticas nos 20 anos seguintes cai em 6 a 7%. Este declínio talvez se deva a um aperto das rédeas do poder por parte do ditador, ao sentir-se ameaçado.

Tendo em conta que só uma em cada quatro tentativas tem sucesso, estes números implicam que, para estabelecer uma democracia duradoura, tentar assassinar um ditador é uma estratégia arriscada com um retorno próximo de zero.

Jones e Olken investigaram também para o efeito que os assassinatos têm no desenrolar de conflitos armados. Olhando primeiro para os conflitos sérios, os autores descobrem que tentativas falhadas não parecem ter nenhum efeito na duração ou intensidade do conflito. Mas as tentativas bem sucedidas aumentam a probabilidade de o conflito acabar.

Se o conflito é apenas moderado, um assassinato leva ao escalar das hostilidades, enquanto que uma tentativa falhada aumenta a probabilidade de o conflito acabar (talvez porque amedronta os líderes). Claro que, tal como na Palestina hoje em dia, é normalmente difícil perceber no momento se um conflito é sério ou moderado.

Destes resultados, tiram-se duas conclusões. Primeiro, que os líderes são influentes no destino do país, e não meros reflexos da realidade nacional. Assassinar uma pessoa não leva apenas à sua substituição por outra cara semelhante, mas implica mudanças sérias. Segundo, o risco associado ao sucesso da tentativa de assassinato, e a dificuldade em acertar no ‘timing’, fazem das tentativas de assassinato uma ferramenta ineficaz de influência dos destinos de um pais. Os assassinatos parecem ser importantes mas, como instrumento político, são desastrados e provavelmente não valem a pena
."

Ricardo Reis

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