O senhor Esteves
"Com o patrocínio de Sócrates este sítio está, dia após dia, a voltar ao tempo em que falar de liberdade era sinónimo de subversão.
Em tempos que já lá vão neste sítio cada vez mais mal frequentado havia uma censura cega e muito burra que zelava não só pelos bons costumes como pela paz podre do cemitério. Era linear, sem grandes enredos intelectuais e elaboradas justificações ideológicas. Era assim, ponto final. Uma das normas dos coronéis lateiros da saudosa censura era evitar, a todo o custo, que o povo soubesse antecipadamente os passos do senhor presidente do Conselho.
A palavra ‘vai’ era rigorosamente cortada pelos lápis azuis. As razões para essa medida com grande sentido de Estado eram várias. Mas as mais óbvias tinham a ver com a segurança de tão alta figura, sempre preocupada com comunistas, anarquistas e outras almas perdidas no tenebroso mundo da subversão, e com o natural desprezo que a dita sentia pelo povo do sítio.
O senhor presidente do Conselho só admitia olhar para a turba à distância, longe de odores e dizeres desagradáveis, que ordeiramente era conduzida em comboios e camionetas para manifestações organizadas pe-lo partido único em momentos festivos ou de combate às forças negras do reviralho, domésticas ou internacionais.
Nas sua infinita sabedoria, o povo deste sítio logo apelidou Sua Excelência de senhor Esteves. Nesses tempos que já lá vão essa graçola marota não era castigada pelos esbirros da PIDE e os bufos do regime sabiam perfeitamente que nem sequer valia a pena denunciar quem a dizia em cafés, repartições públicas, autocarros, eléctricos, baptizados, casamentos, funerais ou simples festas de família. Era uma graçola, ponto final.
O senhor presidente do Conselho, ele próprio, sorria superiormente quando estas e outras anedotas lhe eram contadas com todo o respeito pelas figuras que tinham a seu cargo essa espinhosa missão. Os tempos mudaram, as gaivotas da democracia deram à costa há mais de 33 anos e eis que voltam, inesperadamente, não só os esbirros, como os censores e o próprio senhor Esteves.
O presidente do Conselho José Sócrates entra pelos fundos da Casa da Música no Porto para fugir à turba e inaugura uma ponte sobre o Tejo com o povo ao longe rigorosamente vigiado. Os esbirros de serviço suspendem, despedem e ameaçam quem ouse dizer graçolas inocentes.
E os velhos coronéis lateiros foram substituídos pelos doutores e doutoras da Entidade Reguladora da Comunicação Social e da Comissão da Carteira dos Jornalistas. Com o alto patrocínio do senhor presidente do Conselho e dos acólitos socialistas este sítio está, dia após dia, a voltar ao tempo em que falar de liberdade era sinónimo de subversão."
António Ribeiro Ferreira
Em tempos que já lá vão neste sítio cada vez mais mal frequentado havia uma censura cega e muito burra que zelava não só pelos bons costumes como pela paz podre do cemitério. Era linear, sem grandes enredos intelectuais e elaboradas justificações ideológicas. Era assim, ponto final. Uma das normas dos coronéis lateiros da saudosa censura era evitar, a todo o custo, que o povo soubesse antecipadamente os passos do senhor presidente do Conselho.
A palavra ‘vai’ era rigorosamente cortada pelos lápis azuis. As razões para essa medida com grande sentido de Estado eram várias. Mas as mais óbvias tinham a ver com a segurança de tão alta figura, sempre preocupada com comunistas, anarquistas e outras almas perdidas no tenebroso mundo da subversão, e com o natural desprezo que a dita sentia pelo povo do sítio.
O senhor presidente do Conselho só admitia olhar para a turba à distância, longe de odores e dizeres desagradáveis, que ordeiramente era conduzida em comboios e camionetas para manifestações organizadas pe-lo partido único em momentos festivos ou de combate às forças negras do reviralho, domésticas ou internacionais.
Nas sua infinita sabedoria, o povo deste sítio logo apelidou Sua Excelência de senhor Esteves. Nesses tempos que já lá vão essa graçola marota não era castigada pelos esbirros da PIDE e os bufos do regime sabiam perfeitamente que nem sequer valia a pena denunciar quem a dizia em cafés, repartições públicas, autocarros, eléctricos, baptizados, casamentos, funerais ou simples festas de família. Era uma graçola, ponto final.
O senhor presidente do Conselho, ele próprio, sorria superiormente quando estas e outras anedotas lhe eram contadas com todo o respeito pelas figuras que tinham a seu cargo essa espinhosa missão. Os tempos mudaram, as gaivotas da democracia deram à costa há mais de 33 anos e eis que voltam, inesperadamente, não só os esbirros, como os censores e o próprio senhor Esteves.
O presidente do Conselho José Sócrates entra pelos fundos da Casa da Música no Porto para fugir à turba e inaugura uma ponte sobre o Tejo com o povo ao longe rigorosamente vigiado. Os esbirros de serviço suspendem, despedem e ameaçam quem ouse dizer graçolas inocentes.
E os velhos coronéis lateiros foram substituídos pelos doutores e doutoras da Entidade Reguladora da Comunicação Social e da Comissão da Carteira dos Jornalistas. Com o alto patrocínio do senhor presidente do Conselho e dos acólitos socialistas este sítio está, dia após dia, a voltar ao tempo em que falar de liberdade era sinónimo de subversão."
António Ribeiro Ferreira
0 Comments:
Enviar um comentário
<< Home