segunda-feira, julho 16, 2007

O senhor Esteves

"Com o patrocínio de Sócrates este sítio está, dia após dia, a voltar ao tempo em que falar de liberdade era sinónimo de subversão.

Em tempos que já lá vão neste sítio cada vez mais mal frequentado havia uma censura cega e muito burra que zelava não só pelos bons costumes como pela paz podre do cemitério. Era linear, sem grandes enredos intelectuais e elaboradas justificações ideológicas. Era assim, ponto final. Uma das normas dos coronéis lateiros da saudosa censura era evitar, a todo o custo, que o povo soubesse antecipadamente os passos do senhor presidente do Conselho.

A palavra ‘vai’ era rigorosamente cortada pelos lápis azuis. As razões para essa medida com grande sentido de Estado eram várias. Mas as mais óbvias tinham a ver com a segurança de tão alta figura, sempre preocupada com comunistas, anarquistas e outras almas perdidas no tenebroso mundo da subversão, e com o natural desprezo que a dita sentia pelo povo do sítio.

O senhor presidente do Conselho só admitia olhar para a turba à distância, longe de odores e dizeres desagradáveis, que ordeiramente era conduzida em comboios e camionetas para manifestações organizadas pe-lo partido único em momentos festivos ou de combate às forças negras do reviralho, domésticas ou internacionais.

Nas sua infinita sabedoria, o povo deste sítio logo apelidou Sua Excelência de senhor Esteves. Nesses tempos que já lá vão essa graçola marota não era castigada pelos esbirros da PIDE e os bufos do regime sabiam perfeitamente que nem sequer valia a pena denunciar quem a dizia em cafés, repartições públicas, autocarros, eléctricos, baptizados, casamentos, funerais ou simples festas de família. Era uma graçola, ponto final.

O senhor presidente do Conselho, ele próprio, sorria superiormente quando estas e outras anedotas lhe eram contadas com todo o respeito pelas figuras que tinham a seu cargo essa espinhosa missão. Os tempos mudaram, as gaivotas da democracia deram à costa há mais de 33 anos e eis que voltam, inesperadamente, não só os esbirros, como os censores e o próprio senhor Esteves.

O presidente do Conselho José Sócrates entra pelos fundos da Casa da Música no Porto para fugir à turba e inaugura uma ponte sobre o Tejo com o povo ao longe rigorosamente vigiado. Os esbirros de serviço suspendem, despedem e ameaçam quem ouse dizer graçolas inocentes.

E os velhos coronéis lateiros foram substituídos pelos doutores e doutoras da Entidade Reguladora da Comunicação Social e da Comissão da Carteira dos Jornalistas. Com o alto patrocínio do senhor presidente do Conselho e dos acólitos socialistas este sítio está, dia após dia, a voltar ao tempo em que falar de liberdade era sinónimo de subversão
."

António Ribeiro Ferreira

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