sexta-feira, agosto 24, 2007

E agora, o que vão fazer os bancos centrais?

"Na última semana agravou-se significativamente a aversão ao risco, prefigurando uma crise financeira. Registaram-se quedas expressivas dos principais índices accionistas, o alargamento dos spreads de crédito, e uma fuga para a qualidade que determinou maior procura por títulos de dívida pública e a consequente descida das yields na generalidade dos prazos.

A fuga para activos-refúgio determinou uma valorização do dólar face ao euro e em destaque estiveram também os ganhos das moedas de financiamento das operações de 'carry-trade', que no actual contexto foram desfeitas, como é o caso do iene e do franco suíço.

Este nervosismo generalizado instalou-se nos mercados financeiros por causa das incertezas relativamente à dimensão da crise iniciada no mercado de crédito subprime nos EUA e possível contágio à economia global. As ameaças já se faziam sentir há alguns meses, mas o cepticismo só deflagrou depois de algumas instituições financeiras reclamarem dificuldades de liquidez, levando as autoridades monetárias, em particular o BCE, a imporem alguma tranquilidade através da injecção de fundos no sistema financeiro.

Face ao actual contexto de nervosismo, especula-se que as políticas monetárias dos principais blocos económicos possam sofrer alterações. Em causa está se este episódio se confina ao espectro financeiro, podendo ser restabelecida a normalidade com a actual actuação dos bancos centrais; ou se se revela ser uma situação mais prolongada, obrigando a medidas mais estruturais por parte das autoridades monetárias. De facto, os riscos e as incertezas aumentaram e será necessário acompanhar de forma cautelosa os próximos desenvolvimentos, sendo certo que a volatilidade nos mercados irá manter-se.

As principais interrogações colocam-se particularmente quanto à actuação do BCE. Antes dos últimos acontecimentos, Trichet havia indicado claramente a ampliação do ciclo de subida de taxas de juro em Setembro. No entanto, foi o BCE que liderou a iniciativa de cedência de liquidez, reagindo à inesperada subida das taxas de curto-prazo, contribuindo assim para a sua normalização em patamares perto dos 4%. Os mercados interpretam agora como contraditórias as duas posições do banco central, o que por si só também contribui para o ambiente de incerteza.

Considera-se que poderá ter sido a necessidade de intervenção do BCE que alertou os mercados para a possível gravidade da situação. De facto, no espaço de 4 dias o BCE injectou cerca de 211,5 mil milhões de euros, numa operação mais ampla do que a verificada no pós-11/Setembro. Esta determinação foi por alguns interpretada como um sinal de que o banco central poderá saber mais sobre a amplitude do fenómeno do que o percepcionado pelo mercado. Na verdade, a complexidade do fenómeno de crédito sub-prime é desconhecida, pelo que este posicionamento do BCE poderá ter contribuído de forma decisiva para o alastramento do sentimento de pânico. Donde, os riscos relativamente à actuação do BCE no próximo dia 6 de Setembro aumentaram. Neste momento o banco central enfrenta o dilema de não mexer nas taxas de juro, o que será interpretado como uma assumpção da existência de uma verdadeira crise; ou poderá manter o programa inicialmente previsto, procedendo à subida da refi-rate, o que poderá ser observado como uma contribuição para o agravamento de uma situação económica que se receia possa ser menos sólida do que se esperava. De uma forma ou de outra, este é um teste à capacidade do BCE em gerir a crise.

No final da semana passada, a Reserva Federal, que tem tido uma participação relativamente mais contida na cedência de liquidez, surpreendeu com a descida da taxa de desconto primária em 50 p.b., e foi reconhecido que os riscos para economia norte-americana aumentaram. Esta postura foi interpretada pelos mercados como uma antecipação a uma possível descida da principal taxa de referência num futuro próximo.

Entretanto, e apesar da actual indiferença dos mercados à agenda de indicadores económicos, foram publicados os dados da inflação da UEM de Julho que confirmam a manutenção do índice de preços no consumidor abaixo da fasquia dos 2% definida com objectivo pelo BCE; e os dados do PIB revelaram-se aquém das expectativas, observando-se um crescimento trimestral da economia de 0,3% e um crescimento homólogo de 2,5% (face a uma previsão de 2,8%). Estes últimos dados podem facilitar a tarefa do BCE, sugerindo argumentos em prol da manutenção de taxas, sem necessariamente pôr em causa a orientação da política monetária seguida até agora.
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Susana de Jesus Santos

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