quinta-feira, agosto 09, 2007

Um genocídio prometido

"Se a proposta de retirada das tropas do Iraque for aprovada, como pretendem os Democratas, as consequências poderão ser desastrosas.

As próximas eleições presidenciais americanas estão a mais de um ano de distância. Por enquanto há uma certeza: o debate político que determinará a escolha do próximo presidente dos EUA será em grande parte uma discussão sobre a orientação da política externa norte-americana. Nesse debate, o Iraque tem uma importância central.

Quatro anos e meio depois do início da ocupação militar, o saldo é muito diferente do antecipado pelos executivos americano e britânico: cerca de 4000 mortos entre os soldados da coligação, 3700 dos quais americanos, 70000 mortos entre a população e dois milhões de refugiados não são propriamente um hino de glória aos missionários do intervencionismo liberal. Mas também estão longe de constituir uma “crise humanitária de proporções históricas”, como reclamam alguns críticos. No entanto, se a proposta de retirada das tropas do Iraque for aprovada, como pretendem os Democratas, as consequências poderão ser desastrosas.

Na mais recente sondagem Gallup, 31% dos americanos acreditam que o reforço de tropas determinado pela presidência está a ter um efeito estabilizador no Iraque, 57% acham que os EUA cometeram um erro ao enviar forças militares para o Iraque e 66% são favoráveis à retirada das tropas americanas até 1 de Abril de 2008. Nas sondagens anteriores, estas duas percentagens eram ainda mais elevadas e o número de inquiridos com uma opinião favorável sobre o efeito da presença militar americana ainda mais baixo.

Face a dados como estes, os Democratas acreditam que seguem uma estratégia política “realista”. Reconhecem que a retirada das tropas americanas do Iraque poderá resultar num aumento catastrófico do número de mortos da guerra civil, mas são os mortos dos “outros”, dos que não votam. Recentemente, o candidato presidencial Barack Obama declarou que prevenir um genocídio não era motivo suficiente para justificar a permanência de tropas americanas no Iraque. O pragmatismo amoral maquiavélico exige que qualquer candidato a governante esteja preparado para fazer o mal necessário à conquista e preservação do poder. Na lógica maquiavélica de Obama, não exigir a retirada das tropas seria pior que um pecado: seria um erro político.

A retirada das tropas entrelaça-se com uma perigosa ficção política: a sugestão de partição do Iraque. Num livro recente (The Great Partition), a historiadora Yasmin Khan descreve a partição da Índia que levou à criação do Paquistão. Em 20 de Fevereiro de 1947 o primeiro-ministro britânico Clement Attlee anunciou a intenção de por fim à ocupação britânica da Índia num prazo de dezassete meses. O anúncio despoletou uma sangrenta guerra civil e levou à divisão das províncias do Punjab e de Bengala ao longo das “linhas Radcliffe”. As parcelas autonomizadas destas províncias vieram a originar o Paquistão ‘ocidental’ e “oriental” -desde 1971 o estado do Bangladesh. O diplomata e conselheiro K. M. Panikkar descreveu a partição: “o Hindustão é o elefante e o Paquistão as duas orelhas. Um elefante pode viver sem orelhas”. A amputação das orelhas do Hindustão causou uma carnificina e só a deslocação de quase 15 milhões de pessoas evitou um genocídio étnico e religioso de proporções terríveis.

O processo é instrutivo para o Iraque. Curdistão aparte, que já tem uma ampla autonomia face ao governo de Bagdad, separar shiitas e sunitas no resto do território é impossível: seria necessário cortar o “elefante iraquiano” ao meio. Essa divisão do Iraque criaria uma situação de elevada instabilidade geopolítica, incapaz de proporcionar uma paz duradoura e portanto contrária aos interesses dos EUA, Irão e Arábia Saudita. O erro político dos Democratas decorre da incapacidade de compreenderem as intimações da “razão de Estado”: só um acordo estável de paz permitirá a retirada gradual das tropas americanas. Quanto mais depressa for alcançado, mais depressa os soldados regressarão.

Hans Morgenthau escreveu: “ser-se Maquiavel é perigoso; ser-se Maquiavel sem a virtù é desastroso”. Nenhum político desprovido de ‘virtù’ – a mistura de coragem, ambição e astúcia que Maquiavel considerava essencial num estadista – conseguirá obter o necessário acordo de paz no Iraque. Hillary Clinton e Barack Obama devem reflectir se propostas que equivalem a promessas de genocídio serão o “mal necessário” à obtenção do poder presidencial ou se são sinal de inabilidade política
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Fernando Gabriel

1 Comments:

Anonymous Anónimo said...

A idiotice ao serviço da pirataria.
A bolha vai acabar com a arrogância. O consenso de Washington acabou, o crash está próximo.
A queda de pontes não tem nada a ver com a idiotice e a ganância dos sionistas angloamericanos neocons.

sábado, agosto 11, 2007  

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