A face oculta do jornalismo
"O novo Código de Processo Penal prevê a proibição de publicação de escutas judiciais, fora do regime do segredo de justiça, a menos que os visados autorizem o jornalista a divulgá-las. Como princípio enquadrador das sempre difíceis relações entre a liberdade de informar e a reserva da vida privada nada tenho a apontar, recusando-me a alinhar no coro de protestos de que esta lei fere de morte a liberdade de expressão e de que é inconstitucional por violar o princípio da publicidade dos processos. Nenhum destes valores é absoluto. Sempre defendi com denodo a liberdade de expressão e de informação. Mas não a todo o preço e sem regras, numa lógica de máxima liberdade sem nenhuma responsabilidade.
Com isto não pretendo dizer que esta lei é perfeita. Ela tem dois pecados que podem afectar a sua bondade: o primeiro é que foi longe de mais em matéria de protecção da vida privada quando condiciona a publicação das escutas a prévia autorização do visado no caso do processo já julgado e com o arguido condenado; o segundo prende-se com os bastidores da lei, que indiciam, por detrás, um feitor desconfiado, magoado com a forma como foram divulgadas as escutas no processo da Casa Pia. E aqui os media não estão inocentes. O que tivemos foi um jornalismo de sarjeta, que divulgou escutas judiciais sem qualquer interesse público, implicando pessoas que nada tinham a ver com o caso, mas que foram escutadas ilegalmente. Eram pessoas com peso político e mediático, o que bastou para que vissem devassada a sua vida privada. O requinte jornalístico foi tal que até se permitiram fazer interpretações sobre as conversas escutadas.
As escutas telefónicas, como meio excepcional de obtenção de prova, constituem um dos elementos mais invasivos da vida privada das pessoas e assumiram uma dimensão manifestamente anormal, que urge combater. De facto, neste domínio a Justiça e os media andam em roda livre. A Justiça escuta quem não tem de escutar, não destrói os registos que não interessam à investigação e os media servem-se do banquete a seu bel-prazer, manchando o bom-nome e a reputação das pessoas. Temos uma cultura de desprezo por estes valores que não são inferiores constitucionalmente à liberdade de expressão. Os jornalistas não são uma excepção, não podendo subtraírem-se aos princípios constitucionais, para esbulharem valores supremos de um povo. A liberdade jornalística não pode impor-se sempre à reserva da vida privada. E se tal tem acontecido é porque não existe, em Portugal, um regime sancionatório (disciplinar, civil e criminal), sério e rigoroso, que responsabilize e condene o mau jornalismo e as empresas titulares de órgãos de Comunicação Social. Como sabemos, os mecanismos de auto-regulação são pura ficção.
Quando um jornalista for preso por abusar do poder que tem, quando lhe for cassada, de forma eficaz, a carteira profissional, quando as indemnizações fixadas pelos tribunais deixarem de ser miseráveis, ou quando for decretado o fecho de um órgão de Comunicação Social, quando tudo isto acontecer não serão necessárias normas desta natureza porque as mais graves infracções cometidas pelos jornalistas deixam de ficar impunes.
E quando este sonho se concretizar, sabem quem vence: vence o jornalismo sério, isento e responsável, vence a alma mais nobre do jornalista."
Rui Rangel
Com isto não pretendo dizer que esta lei é perfeita. Ela tem dois pecados que podem afectar a sua bondade: o primeiro é que foi longe de mais em matéria de protecção da vida privada quando condiciona a publicação das escutas a prévia autorização do visado no caso do processo já julgado e com o arguido condenado; o segundo prende-se com os bastidores da lei, que indiciam, por detrás, um feitor desconfiado, magoado com a forma como foram divulgadas as escutas no processo da Casa Pia. E aqui os media não estão inocentes. O que tivemos foi um jornalismo de sarjeta, que divulgou escutas judiciais sem qualquer interesse público, implicando pessoas que nada tinham a ver com o caso, mas que foram escutadas ilegalmente. Eram pessoas com peso político e mediático, o que bastou para que vissem devassada a sua vida privada. O requinte jornalístico foi tal que até se permitiram fazer interpretações sobre as conversas escutadas.
As escutas telefónicas, como meio excepcional de obtenção de prova, constituem um dos elementos mais invasivos da vida privada das pessoas e assumiram uma dimensão manifestamente anormal, que urge combater. De facto, neste domínio a Justiça e os media andam em roda livre. A Justiça escuta quem não tem de escutar, não destrói os registos que não interessam à investigação e os media servem-se do banquete a seu bel-prazer, manchando o bom-nome e a reputação das pessoas. Temos uma cultura de desprezo por estes valores que não são inferiores constitucionalmente à liberdade de expressão. Os jornalistas não são uma excepção, não podendo subtraírem-se aos princípios constitucionais, para esbulharem valores supremos de um povo. A liberdade jornalística não pode impor-se sempre à reserva da vida privada. E se tal tem acontecido é porque não existe, em Portugal, um regime sancionatório (disciplinar, civil e criminal), sério e rigoroso, que responsabilize e condene o mau jornalismo e as empresas titulares de órgãos de Comunicação Social. Como sabemos, os mecanismos de auto-regulação são pura ficção.
Quando um jornalista for preso por abusar do poder que tem, quando lhe for cassada, de forma eficaz, a carteira profissional, quando as indemnizações fixadas pelos tribunais deixarem de ser miseráveis, ou quando for decretado o fecho de um órgão de Comunicação Social, quando tudo isto acontecer não serão necessárias normas desta natureza porque as mais graves infracções cometidas pelos jornalistas deixam de ficar impunes.
E quando este sonho se concretizar, sabem quem vence: vence o jornalismo sério, isento e responsável, vence a alma mais nobre do jornalista."
Rui Rangel
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