Bem prega Frei Tomás
"Era bom que o País não perdesse muito tempo entretido com as questões da justiça mediático-dramática, das escutas e dos segredos.
O mesmo José Sócrates que em 27 de Julho se congratulava, em nome da União Europeia, com a reintegração do demitido presidente do Supremo Tribunal do Paquistão e dizia que “a independência do poder judicial e o Estado de Direito são elementos fulcrais da democracia”, oito dias antes tinha feito aprovar no Parlamento português a primeira lei que em 33 anos de democracia e 48 de ditadura equipara os juízes a trabalhadores do funcionalismo público. O “primeiro mundo” que serve ao Paquistão pelos vistos não serve a Portugal. Bem prega
Esta insólita lei foi aprovada à socapa, fora da comissão especializada da Assembleia da República que trata destas matérias, contra todos os compromissos assumidos pelo Governo e nas costas de todos os interlocutores da justiça: conselhos superiores de magistratura, presidentes dos supremos tribunais e associação representativa dos juízes. Cá em Portugal é assim: quanto mais se apoucar a dignidade dos juízes melhor.
Talvez não se possa esperar muito de quem compara o estatuto dos juízes ao dos engenheiros das câmaras municipais (TSF, em 25.10.05). Mas, por favor, alguém pode dizer ao nosso primeiro-ministro que a Constituição qualifica os juízes como titulares de órgãos de soberania, dotados de estatuto próprio, não integrado na administração pública? Se não gosta de tribunais independentes, prestigiados e imparciais, ao menos que use o poder absoluto da sua maioria parlamentar para modernizar a justiça e se deixe de medidas insidiosas de deslegitimação e controlo do poder judicial.
É hoje muito claro que existe um projecto para funcionalizar o poder judicial em nome de qualquer coisa. Esta sujeição dos juízes às regras de subordinação do funcionalismo público não pode ter outra finalidade que não seja a de facilitar o controlo político dos tribunais e de conter a actividade dos juízes. Por isso, a desculpa que o Governo prontamente atirou para a Comunicação Social chega a ser notável. Como se alguém acreditasse nisso de os juízes estarem integrados num estatuto que afinal não se lhes aplica – então estão lá para quê?
Era bom que o País não perdesse muito tempo entretido com as questões da justiça mediático-dramática, das escutas e dos segredos, distraído com os barulhinhos do telemóvel do PGR, e começasse a ouvir o ruído ensurdecedor que vai perturbando a qualidade da nossa democracia e o funcionamento regular nas nossas instituições. Ou então que alguém assumisse, de uma vez por todas, com total clareza, que o Estado quer construir a democracia por cima das cinzas de um poder judicial submisso e socialmente irrelevante. Para que se visse onde estão os políticos responsáveis. Para que os cidadãos fizessem as suas opções democráticas. E para que os juízes que não querem a espinha partida soubessem com que contar.
O repugnante conceito de juiz-funcionário não serve à Justiça. A chave da reforma judicial está na procura de soluções e não na invenção de problemas."
Manuel Soares
O mesmo José Sócrates que em 27 de Julho se congratulava, em nome da União Europeia, com a reintegração do demitido presidente do Supremo Tribunal do Paquistão e dizia que “a independência do poder judicial e o Estado de Direito são elementos fulcrais da democracia”, oito dias antes tinha feito aprovar no Parlamento português a primeira lei que em 33 anos de democracia e 48 de ditadura equipara os juízes a trabalhadores do funcionalismo público. O “primeiro mundo” que serve ao Paquistão pelos vistos não serve a Portugal. Bem prega
Esta insólita lei foi aprovada à socapa, fora da comissão especializada da Assembleia da República que trata destas matérias, contra todos os compromissos assumidos pelo Governo e nas costas de todos os interlocutores da justiça: conselhos superiores de magistratura, presidentes dos supremos tribunais e associação representativa dos juízes. Cá em Portugal é assim: quanto mais se apoucar a dignidade dos juízes melhor.
Talvez não se possa esperar muito de quem compara o estatuto dos juízes ao dos engenheiros das câmaras municipais (TSF, em 25.10.05). Mas, por favor, alguém pode dizer ao nosso primeiro-ministro que a Constituição qualifica os juízes como titulares de órgãos de soberania, dotados de estatuto próprio, não integrado na administração pública? Se não gosta de tribunais independentes, prestigiados e imparciais, ao menos que use o poder absoluto da sua maioria parlamentar para modernizar a justiça e se deixe de medidas insidiosas de deslegitimação e controlo do poder judicial.
É hoje muito claro que existe um projecto para funcionalizar o poder judicial em nome de qualquer coisa. Esta sujeição dos juízes às regras de subordinação do funcionalismo público não pode ter outra finalidade que não seja a de facilitar o controlo político dos tribunais e de conter a actividade dos juízes. Por isso, a desculpa que o Governo prontamente atirou para a Comunicação Social chega a ser notável. Como se alguém acreditasse nisso de os juízes estarem integrados num estatuto que afinal não se lhes aplica – então estão lá para quê?
Era bom que o País não perdesse muito tempo entretido com as questões da justiça mediático-dramática, das escutas e dos segredos, distraído com os barulhinhos do telemóvel do PGR, e começasse a ouvir o ruído ensurdecedor que vai perturbando a qualidade da nossa democracia e o funcionamento regular nas nossas instituições. Ou então que alguém assumisse, de uma vez por todas, com total clareza, que o Estado quer construir a democracia por cima das cinzas de um poder judicial submisso e socialmente irrelevante. Para que se visse onde estão os políticos responsáveis. Para que os cidadãos fizessem as suas opções democráticas. E para que os juízes que não querem a espinha partida soubessem com que contar.
O repugnante conceito de juiz-funcionário não serve à Justiça. A chave da reforma judicial está na procura de soluções e não na invenção de problemas."
Manuel Soares
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