quinta-feira, novembro 15, 2007

UM ORÇAMENTO DEVE SER ÉTICO?

"Existe uma enorme diferença entre sacrificar-se ou ser sacrificado; entre percorrer um túnel com luz ao fundo ou estar perdido num labirinto sem norte; entre ser parte de um projecto de recuperação nacional ou destinatário de más notícias e das suas consequências. Todos sabemos a importância dos factores psicológicos na superação das crises, a importância da confiança e o preço de gorar, repetidamente, as expectativas de grupos maioritários.

Uma análise do Orçamento do Estado na óptica do simples cidadão seria, sem dúvida, altamente esclarecedora a este respeito. Mais além das análises técnicas, dos "duelos" partidários, das armas de arremesso político, devia interessar a análise prosaica, e por isso mesmo realíssima, das famílias portuguesas, que infelizmente não vem a lume, submersa neste ruído de fundo.

A classe média pode considerar-se a principal vítima dos últimos Orçamentos. Embora, no geral, a classe média portuguesa seja pouco resistente (veja-se a espanhola, por exemplo), ela não é homogénea e alguns segmentos mais vulneráveis ao desemprego, ao endividamento, à inexistência de poupanças, aos encargos acrescidos com ascendentes, deslizam para níveis de grande precariedade e risco. É um fenómeno novo, de empobrecimento, ao qual não se tem dado a devida atenção. Um sinal perigosíssimo.

Vítimas silenciosas e tristes são os mais velhos, alguns muito velhos, cujas diminutas pensões não fazem face às suas necessidades básicas num país que, apesar da sua tão negra demografia, ainda não organizou uma rede de serviços e equipamentos que respondesse às crescentes dependências dos idosos, muitos deles doentes e isolados. São o rosto da pobreza envergonhada.

O terceiro grupo são os pobres - dois milhões segundo consta - oriundos de grupos de risco persistente que vão reproduzindo, geracionalmente, o ciclo da pobreza. Para atalhar este efeito dramático para o nosso futuro colectivo seria necessário um sério investimento em programas sociais eficazes que, sabemos, são de médio e longo prazo e de retorno lento. Mas, agora, não há dinheiro...

Sendo certo que é preciso reduzir a despesa pública, diminuir o défice sem prosseguir uma política de aumento da carga fiscal e sabendo- -se da nossa enorme dependência da economia externa, qualquer comum mortal percebe que "generosidades" sugeridas por partidos da oposição não têm qualquer fundamento, facilitando mesmo a vida ao Governo que se apropria, indevidamente, do discurso da razoabilidade.

Chegados a este ponto, a questão é outra. Não é técnica nem política, stricto sensu, é ética. O que de forma séria e sustentada pode levar à redução da despesa pública são escolhas. As reformas não são mais do que isso: mudar o que é preciso para salvar o essencial. Ora, embora o Governo tenha tomado um conjunto de medidas reformistas, duvido que tenha feito as escolhas que as devem preceder. E, por isso, elas têm pouco ou nenhum reflexo neste Orçamento. Dir-se-á que serão visíveis no próximo. E quem nos garante que tal acontecerá?

Este Orçamento é, por estas razões, aquele onde a questão ética se coloca com mais acuidade. Não estou a falar de truques orçamentais, desorçamentações ou Estradas de Portugal. Estou a falar de compromisso. Isto é, a garantia a que os portugueses têm direito de que este é um caminho penoso mas que vai fazer sentido. Que hoje se sacrificam muitos, mas amanhã, filhos e netos poderão encarar o futuro com algum optimismo. Que este túnel tem fim e no fim tem luz.

Nada seria tão dramático e tão anti-ético como ficar num estado de meias tintas em que se sentem todos os efeitos penosos dos processos de mudança e nenhuma das suas vantagens. Ou que tentações eleitoralistas deitassem por terra, em 2009, o esforço e o sacrifício que foram exigidos às famílias portuguesas.

É que, mesmo fazendo o caminho até ao fim, há que contar com os danos emergentes: uma classe média mais deslassada, um número maior de pobres e uma população idosa mais desvalida. Que País cresce e se desenvolve com esta base populacional? Uma resposta a dar depois do défice. Se lá chegarmos
."

Maria José Nogueira Pinto

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