HERÓIS ACIDENTAIS
"A revista The Atlantic publica, este mês, um longo louvor de Andrew Sullivan à candidatura de Barack Obama. Em resumo (grosseiro), Sullivan defende que Obama, americano e imigrante, preto e branco, cristão e secular (com passagem fugaz pelo Islão), liberal sui generis, democrata sem o fardo contestatário dos baby boomers, diplomata e pragmático, seria o presidente ideal para atenuar a divisão que define há décadas, com variável nitidez, o quadro político e cultural dos Estados Unidos.
Convém avisar que Sullivan não pertence aos apoiantes "naturais" do Partido Democrata: o colunista é autor de um livro intitulado The Conservative Soul, O Espírito Conservador, e por isso a sua apologia de Obama é, na América, literalmente notável. Na América, repito. Na Europa, imagino que muitos conservadores ou aproximados tenham lido a apologia com interesse e até entusiasmo. Sei de alguns, gente dita de direita que não se assustaria perante a vitória de Obama nem, afinal, a vitória de qualquer democrata plausível (contas feitas, Hillary).
Quando olha para além do oceano, a Europa não reproduz as oposições internas americanas: deste lado, a atitude face aos EUA não depende em demasia do homem que habita a Casa Branca. A tradicional distância das instituições americanas a radicalismos vários determina a empatia relativamente estável de algumas das nossas direitas e de alguns dos nossos "centros". Igual razão vale o duradouro asco aos EUA da nossa extrema-direita e, claro, das nossas esquerdas. O que divide os europeus é a sua própria ideia da América, não são as ideias dos candidatos para a América.
O engraçado é que, a cada eleição, simula-se o contrário e finge-se aceitar por cá as regras de lá. Já se reparou que a esquerda pátria (incluindo o dr. Soares) chamou a si Obama e, sobretudo após as reacções positivas ao texto de Sullivan, deu em acusar a direita, ou o que supõe ser a direita, de apropriação indevida do sujeito. Todos os quatro anos é isto: a esquerda aplaude a esquerda americana como se fosse a deles, e age como se, com ligeiras oscilações, nunca tivesse dedicado a Clinton, Carter, Johnson ou Kennedy a repulsa primordial que dedica a Bush. Em 2004, por exemplo, Kerry fez as vezes de herói. Agora, o herói é Obama.
O problema é que tamanho estatuto não sobrevive ao confronto com a realidade, ou à dócil convivência dos equívocos heróis da esquerda com o capitalismo e a influência dos EUA no mundo, que nenhum presidente americano sonharia colocar em causa. A menos que percam pelo caminho, todos os candidatos da nossa esquerda, sem excepção, acabam por se revelar supreendentemente "imperialistas" e "criminosos". Mas a vocação para se surpreender e desiludir é um problema da esquerda, não dos EUA. "
Alberto Gonçalves
Convém avisar que Sullivan não pertence aos apoiantes "naturais" do Partido Democrata: o colunista é autor de um livro intitulado The Conservative Soul, O Espírito Conservador, e por isso a sua apologia de Obama é, na América, literalmente notável. Na América, repito. Na Europa, imagino que muitos conservadores ou aproximados tenham lido a apologia com interesse e até entusiasmo. Sei de alguns, gente dita de direita que não se assustaria perante a vitória de Obama nem, afinal, a vitória de qualquer democrata plausível (contas feitas, Hillary).
Quando olha para além do oceano, a Europa não reproduz as oposições internas americanas: deste lado, a atitude face aos EUA não depende em demasia do homem que habita a Casa Branca. A tradicional distância das instituições americanas a radicalismos vários determina a empatia relativamente estável de algumas das nossas direitas e de alguns dos nossos "centros". Igual razão vale o duradouro asco aos EUA da nossa extrema-direita e, claro, das nossas esquerdas. O que divide os europeus é a sua própria ideia da América, não são as ideias dos candidatos para a América.
O engraçado é que, a cada eleição, simula-se o contrário e finge-se aceitar por cá as regras de lá. Já se reparou que a esquerda pátria (incluindo o dr. Soares) chamou a si Obama e, sobretudo após as reacções positivas ao texto de Sullivan, deu em acusar a direita, ou o que supõe ser a direita, de apropriação indevida do sujeito. Todos os quatro anos é isto: a esquerda aplaude a esquerda americana como se fosse a deles, e age como se, com ligeiras oscilações, nunca tivesse dedicado a Clinton, Carter, Johnson ou Kennedy a repulsa primordial que dedica a Bush. Em 2004, por exemplo, Kerry fez as vezes de herói. Agora, o herói é Obama.
O problema é que tamanho estatuto não sobrevive ao confronto com a realidade, ou à dócil convivência dos equívocos heróis da esquerda com o capitalismo e a influência dos EUA no mundo, que nenhum presidente americano sonharia colocar em causa. A menos que percam pelo caminho, todos os candidatos da nossa esquerda, sem excepção, acabam por se revelar supreendentemente "imperialistas" e "criminosos". Mas a vocação para se surpreender e desiludir é um problema da esquerda, não dos EUA. "
Alberto Gonçalves
Etiquetas: No reino do politicamente correcto.
1 Comments:
Resta saber como vai ser jogada a carta da "breve passagem pelo Islão".....
Para bom entendedor, meia palavra basta.
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