O défice esquecido
"Não demorará muito tempo que as principais empresas que operam em Portugal sejam todas estrangeiras.
Não dispondo de moeda própria e financiando-se “automaticamente” em “moeda internacional”, o défice externo deixou há muito de ser uma preocupação da política económica portuguesa. Isso não significa, porém, que o défice tenha deixado de ser um problema ou que as suas consequências tenham deixado de ter importância. Significa apenas que deixou de haver premência na sua solução e que esta tenderá a surgir automaticamente por força do funcionamento dos mecanismos económicos do mercado. O que é mau.
Por um lado, porque o problema pode avolumar-se muito mais do que seria recomendável, antes de desencadear a sua resolução. Por outro lado, porque, nesse caso, os custos da solução podem vir a mostrar-se demasiado pesados. E, por fim, porque, tal como certas doenças quando não são atalhadas a tempo, a persistência do problema pode causar danos irreversíveis.
Para não nos perdermos nas oscilações anuais, retenhamos apenas que o défice externo (balança corrente e de capital), ao longo dos últimos 10 anos, representou, em média 7.1% do PIB.
Em termos de comparações internacionais, recorrendo ao último World Outlook do FMI e tomando apenas a balança de transacções correntes, verificamos que, no período 1999-2007, há 30 países com um défice médio superior ao português (8.8% do PIB). Mas estes são quase todos, ou “microeconomias”, sobretudo da América Central, (vg St. Kitts, Granada, S. Vicente, Sta Lúcia, Bahamas, Seycheles, Maldivas, etc.), ou países muito pobres, sobretudo de África, (v.g. Chad, S. Tomé, Burkina Faso, Sudão, Moçambique, Libéria, etc.).
Se retirarmos estes dois grupos, apenas apresentam um défice externo superior ao português, a Bósnia (15.3%), a Letónia (12%), a Estónia (10.2%) e a Islândia (9.9%). E a Bulgária (8.8%) e a Lituânia (8.2%) apresentam défices aproximados. No entanto, enquanto durante este mesmo período o PIB português cresceu 1.9%, em média, o da Islândia cresceu 4.3% e o dos restantes países cresceu entre 6 e 9%. Ou seja, enquanto naqueles países se pode entender que o défice externo financiou o crescimento económico, em Portugal financiou apenas a despesa interna, o que é, do ponto de vista macroeconómico, muito mais grave.
Uma das consequências deste persistente défice e que tende a passar despercebida é que ele se irá auto-alimentar. Uma vez que teve de ser financiado – com dívida externa ou investimento estrangeiro – esse financiamento tem custos e estes serão tanto maiores quanto mais subirem as taxas de juro. E o custo desse financiamento externo constitui uma transferência adicional de recursos para o exterior., agravando o défice.
Em termos líquidos (pagamentos deduzidos de recebimentos), as transferências de rendimento para o exterior já representam 4.2% do PIB, consumindo todo o excedente da balança de serviços (onde se inclui o turismo), que tem vindo a crescer, e mais 1/3 do saldo favorável das transferências unilaterais, que, por sua vez, se encontra em queda devido a termo-nos tornado de país de emigração em país de imigração.
Outra consequência a que não está a ser dada a devida conta é que se tem vindo a alargar a diferença entre o PIB e o PNB. Simplificadamente, o primeiro dá conta da riqueza criada em Portugal (mas que pode pertencer a outros) e o segundo dá conta da riqueza, criada aqui e lá fora, que é distribuível pelos portugueses, Como pagamos mais rendimentos ao exterior do que recebemos (a perda está em 4.2% do PIB, como já referi), a riqueza que conta para os portugueses é inferior (naquele montante) à indicada pelo PIB. Passa por isso a ser relevante que, além do crescimento do PIB, nos passe a ser dada conta do crescimento do PNB, que é o que conta para a distribuição de rendimento. E este está a crescer menos...
Mas as consequências mais importantes deste desequilíbrio são duas. Uma é que, não conseguindo gerar riqueza para pagar as dívidas, estas vão obrigar a que se vendam os activos do país ao estrangeiro. Não demorará muito tempo que as principais empresas que operam em Portugal sejam todas estrangeiras e que o país perca o controlo estratégico da sua economia. A outra é que, não se podendo fazer o ajustamento macroeconómico pela taxa de câmbio (como está a acontecer com os EUA), este se vai fazer pelo desemprego. E isto deveria estar a preocupar mais os sindicatos do que o salário mínimo ou umas décimas no ajustamento salarial."
Vitor Bento
Não dispondo de moeda própria e financiando-se “automaticamente” em “moeda internacional”, o défice externo deixou há muito de ser uma preocupação da política económica portuguesa. Isso não significa, porém, que o défice tenha deixado de ser um problema ou que as suas consequências tenham deixado de ter importância. Significa apenas que deixou de haver premência na sua solução e que esta tenderá a surgir automaticamente por força do funcionamento dos mecanismos económicos do mercado. O que é mau.
Por um lado, porque o problema pode avolumar-se muito mais do que seria recomendável, antes de desencadear a sua resolução. Por outro lado, porque, nesse caso, os custos da solução podem vir a mostrar-se demasiado pesados. E, por fim, porque, tal como certas doenças quando não são atalhadas a tempo, a persistência do problema pode causar danos irreversíveis.
Para não nos perdermos nas oscilações anuais, retenhamos apenas que o défice externo (balança corrente e de capital), ao longo dos últimos 10 anos, representou, em média 7.1% do PIB.
Em termos de comparações internacionais, recorrendo ao último World Outlook do FMI e tomando apenas a balança de transacções correntes, verificamos que, no período 1999-2007, há 30 países com um défice médio superior ao português (8.8% do PIB). Mas estes são quase todos, ou “microeconomias”, sobretudo da América Central, (vg St. Kitts, Granada, S. Vicente, Sta Lúcia, Bahamas, Seycheles, Maldivas, etc.), ou países muito pobres, sobretudo de África, (v.g. Chad, S. Tomé, Burkina Faso, Sudão, Moçambique, Libéria, etc.).
Se retirarmos estes dois grupos, apenas apresentam um défice externo superior ao português, a Bósnia (15.3%), a Letónia (12%), a Estónia (10.2%) e a Islândia (9.9%). E a Bulgária (8.8%) e a Lituânia (8.2%) apresentam défices aproximados. No entanto, enquanto durante este mesmo período o PIB português cresceu 1.9%, em média, o da Islândia cresceu 4.3% e o dos restantes países cresceu entre 6 e 9%. Ou seja, enquanto naqueles países se pode entender que o défice externo financiou o crescimento económico, em Portugal financiou apenas a despesa interna, o que é, do ponto de vista macroeconómico, muito mais grave.
Uma das consequências deste persistente défice e que tende a passar despercebida é que ele se irá auto-alimentar. Uma vez que teve de ser financiado – com dívida externa ou investimento estrangeiro – esse financiamento tem custos e estes serão tanto maiores quanto mais subirem as taxas de juro. E o custo desse financiamento externo constitui uma transferência adicional de recursos para o exterior., agravando o défice.
Em termos líquidos (pagamentos deduzidos de recebimentos), as transferências de rendimento para o exterior já representam 4.2% do PIB, consumindo todo o excedente da balança de serviços (onde se inclui o turismo), que tem vindo a crescer, e mais 1/3 do saldo favorável das transferências unilaterais, que, por sua vez, se encontra em queda devido a termo-nos tornado de país de emigração em país de imigração.
Outra consequência a que não está a ser dada a devida conta é que se tem vindo a alargar a diferença entre o PIB e o PNB. Simplificadamente, o primeiro dá conta da riqueza criada em Portugal (mas que pode pertencer a outros) e o segundo dá conta da riqueza, criada aqui e lá fora, que é distribuível pelos portugueses, Como pagamos mais rendimentos ao exterior do que recebemos (a perda está em 4.2% do PIB, como já referi), a riqueza que conta para os portugueses é inferior (naquele montante) à indicada pelo PIB. Passa por isso a ser relevante que, além do crescimento do PIB, nos passe a ser dada conta do crescimento do PNB, que é o que conta para a distribuição de rendimento. E este está a crescer menos...
Mas as consequências mais importantes deste desequilíbrio são duas. Uma é que, não conseguindo gerar riqueza para pagar as dívidas, estas vão obrigar a que se vendam os activos do país ao estrangeiro. Não demorará muito tempo que as principais empresas que operam em Portugal sejam todas estrangeiras e que o país perca o controlo estratégico da sua economia. A outra é que, não se podendo fazer o ajustamento macroeconómico pela taxa de câmbio (como está a acontecer com os EUA), este se vai fazer pelo desemprego. E isto deveria estar a preocupar mais os sindicatos do que o salário mínimo ou umas décimas no ajustamento salarial."
Vitor Bento
1 Comments:
O défice esquecido ou o país esquecido?
O governo não existe com um PM incapaz e vaidoso, mal rodeado por ser vaidoso, como menina que vai ao baile de vestido vermelho e um PR que apenas se preocupa em ser reeleito e porque o sistema e regime assim o ditam.
O país não aguenta mesmo com as verbas de Bruxelas.
A classe política sempre foi de refugo, agora é um lixo de refugo e o regime criado em Abril outro.
Não vai haver solução pelas vias constitucionais.
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