segunda-feira, dezembro 24, 2007

Não há inocentes

"A importância do momento exige-o. Vítor Constâncio, governador do Banco de Portugal, deu um violento murro na mesa e virou o BCP ao contrário. Reparem bem: Vítor Constâncio deu um murro na mesa. Os banqueiros centrais são figuras pardas, tranquilas, discretas. Não dão murros, enviam recados às três tabelas, produzem sinais de fumo. São guardiões do sistema, não são revolucionários. Desta vez, no entanto, o sereno e pacato governador deu um pontapé no habitual conformismo. Perante a extrema proporção do incêndio, Constâncio convocou os principais accionistas do BCP para lhes repetir o que já dissera na véspera a Filipe Pinhal: que a actual administração do maior banco privado nacional está enterrada até ao pescoço perante a gravidade das suspeitas. E que Pinhal só tem uma saída: deixar o barco, não se candidatar a mais mandatos e esperar pelas conclusões das quatro investigações em curso. Isso mesmo, já são quatro as investigações: Banco de Portugal, CMVM, SEC (Security Exchange Comission) e DIAP. Como se vê, o caso já derramou para a esfera criminal e para os Estados Unidos. Por aqueles lados, é bom lembrá-lo, estes problemas são levados com seriedade. E mão dura.

Vamos por partes.

Chegou ao fim um capítulo importante no martírio de Filipe Pinhal e de Jardim Gonçalves. Uma parte deste capítulo poderia ter sido evitada se não fosse a intransigência cega desta dupla em manter-se agarrada ao poder. As razões para esta inflexibilidade estão à vista: parece que tinham alguma coisa a esconder – por isso não saíam. Veremos se é mesmo assim. Para já, só há suspeitas, embora fortíssimas, daí ser estranho que o Banco de Portugal, sem o assumir, tenha decidido derrubar a mesa neste preciso momento. Como se sabe, ainda não estão formalmente concluídas as investigações. Esta súbita pressa de Constâncio pode ser confundida com má consciência. As suspeitas que existem hoje já circulavam há semanas, com nomes, números e factos. É evidente que Pinhal não tinha condições éticas para ser o próximo líder do BCP. Todos o sabiam. Se foi isto que Constâncio quis travar agora, deveria tê-lo feito logo no momento da candidatura, evitando este penoso arrastar e este frenesim tardio.

Acontece que o comportamento do Banco de Portugal e da CMVM – os supervisores do mercado –, tem funcionado ao retardador. Primeiro, revelaram-se incapazes de apanhar e investigar as operações suspeitas quando elas ocorreram. Depois, assobiaram para o lado. A seguir, tiveram que esperar pelas indicações de Joe Berardo para seguir uma pista que já era gritante para todos. Ou seja, perante esta falta de energia e esta dolorosa complacência, a confiança que o país pode ter nos reguladores fica seriamente danificada. Falhar uma vez acontece. Falhar consecutivamente é incompreensível e tem um preço. Ou melhor: deveria ter um preço.

Um último ponto, talvez o mais importante: o que está a acontecer no BCP não é apenas a substituição inflamada da administração de um banco. É muito mais do que isso. Se Carlos Santos Ferreira se tornar, de facto, o próximo presidente do BCP (o que é possível, mas não certo) assistiremos à mudança do centro de gravidade do poder nacional. Dito de outra maneira: teremos outro BCP, um BCP com outra tonalidade, outras ligações, novos compromissos, talvez um BCP dos accionistas e não apenas dos administradores. Ou seja, será uma ruptura definitiva com o banco fundado por Jardim Gonçalves há 20 anos. É uma mudança impressionante. Uma revolução absoluta. Só assim se compreende a mobilização institucional dos últimos dias: da Presidência da República ao Governo, passando pela Procuradoria-Geral da República, todos deram um passo em frente. O assunto é grave. E não ficará por aqui. Ou não deveria ficar por aqui.
"

André Macedo

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