Encenação de mau gosto
"Tudo o que é bom é uma grande vitória do líder nacional, tudo o que é mau é culpa de Bruxelas e dos grandes papões.
É impossível não ver no processo de decisão que levou à morte do referendo europeu uma enorme encenação por parte do primeiro-ministro ou de quem o aconselha. O mais difícil é perceber que proveito retira daí. E se isso compensa os danos colaterais desta reviravolta.
Primeiro, convoca um Conselho de Ministros extraordinário, onde pelos vistos não se comprometeu. Depois, fontes próximas, algumas delas habitualmente sólidas, passam para o exterior a ideia de que José Sócrates estava muito inclignado para fazer um referendo. Tendo falhado a promessa dos impostos e sendo a meta dos 150 mil postos de trabalho uma miragem era imperativo que esta se cumprisse, explicaram.
Não estavam no “guião” os conselhos do actual presidente da UE, o esloveno Janes Jansa, que rotulou de “pouco sensato” o referendo. Mas se calhar também tinha comprado o bilhete para este “teatro” porque mais tarde disse ao Diário Económico que “já sabia dessa decisão há muito tempo”.
Os telefonemas com as capitais europeias roçaram o caricato. Oficialmente, Sócrates diz que apenas terá ouvido os parceiros para saber como iam ratificar. Escusava de ter feito a chamada. Há muito tempo que os “grandes” já tinham dito publicamente como iam ratificar: no Parlamento. Só Portugal esperou tanto tempo. E depois há a tese oficiosa das pressões externas de última hora, numa tentativa de desculpar a sua decisão. É o truque mais batido em Bruxelas: tudo o que é bom é uma grande vitória do líder nacional (veja-se o Tratado de Lisboa), tudo o que é mau é culpa de Bruxelas e dos grandes papões. É o tipo de feitiço de pouco alcance que só diminui a imagem do primeiro-ministro.
Ainda assim, é preferível acreditar que tudo não passou de uma tentativa desajeitada de articular uma desculpa para uma decisão tomada há muito tempo. Senão seriamos levados a pensar que Sócrates esteve mesmo um ano a “pensar” no assunto, sentindo a “ética da responsabilidade” só no último instante e para atender a uma despudorada ingerência do exterior.
PS. A explicação do Governo também foi pouco convincente. Se “há um grande consenso” europeu em Portugal, então porque é que propôs o referendo em 2005? Se este “iria pôr em xeque a legitimidade da ratificação pelos parlamentos” dos outros países, então porque manteve este tabu tanto tempo? Se o Tratado já não é constitucional então porque é que em Dezembro de 2006, quando em Bruxelas lhe foi perguntado se mantinha o referendo, qualquer que fosse o resultado final, respondeu que sim? Bom, esta até se percebe: a bem dizer, o Tratado, pelo menos para Portugal, é rigorosamente igual. "
Luís Rego
É impossível não ver no processo de decisão que levou à morte do referendo europeu uma enorme encenação por parte do primeiro-ministro ou de quem o aconselha. O mais difícil é perceber que proveito retira daí. E se isso compensa os danos colaterais desta reviravolta.
Primeiro, convoca um Conselho de Ministros extraordinário, onde pelos vistos não se comprometeu. Depois, fontes próximas, algumas delas habitualmente sólidas, passam para o exterior a ideia de que José Sócrates estava muito inclignado para fazer um referendo. Tendo falhado a promessa dos impostos e sendo a meta dos 150 mil postos de trabalho uma miragem era imperativo que esta se cumprisse, explicaram.
Não estavam no “guião” os conselhos do actual presidente da UE, o esloveno Janes Jansa, que rotulou de “pouco sensato” o referendo. Mas se calhar também tinha comprado o bilhete para este “teatro” porque mais tarde disse ao Diário Económico que “já sabia dessa decisão há muito tempo”.
Os telefonemas com as capitais europeias roçaram o caricato. Oficialmente, Sócrates diz que apenas terá ouvido os parceiros para saber como iam ratificar. Escusava de ter feito a chamada. Há muito tempo que os “grandes” já tinham dito publicamente como iam ratificar: no Parlamento. Só Portugal esperou tanto tempo. E depois há a tese oficiosa das pressões externas de última hora, numa tentativa de desculpar a sua decisão. É o truque mais batido em Bruxelas: tudo o que é bom é uma grande vitória do líder nacional (veja-se o Tratado de Lisboa), tudo o que é mau é culpa de Bruxelas e dos grandes papões. É o tipo de feitiço de pouco alcance que só diminui a imagem do primeiro-ministro.
Ainda assim, é preferível acreditar que tudo não passou de uma tentativa desajeitada de articular uma desculpa para uma decisão tomada há muito tempo. Senão seriamos levados a pensar que Sócrates esteve mesmo um ano a “pensar” no assunto, sentindo a “ética da responsabilidade” só no último instante e para atender a uma despudorada ingerência do exterior.
PS. A explicação do Governo também foi pouco convincente. Se “há um grande consenso” europeu em Portugal, então porque é que propôs o referendo em 2005? Se este “iria pôr em xeque a legitimidade da ratificação pelos parlamentos” dos outros países, então porque manteve este tabu tanto tempo? Se o Tratado já não é constitucional então porque é que em Dezembro de 2006, quando em Bruxelas lhe foi perguntado se mantinha o referendo, qualquer que fosse o resultado final, respondeu que sim? Bom, esta até se percebe: a bem dizer, o Tratado, pelo menos para Portugal, é rigorosamente igual. "
Luís Rego
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