quinta-feira, janeiro 24, 2008

O novo mercantilismo

"Explicar a ascensão do socratismo implica prestar menos atenção ao que diz e mais ao que faz e por que o faz.

Grassa por aí uma grave confusão entre mercantilismo e capitalismo. Julgam-se sinónimos, mas são sistemas opostos, como bem viu Adam Smith.

Ao contrário dos defensores do livre mercado, os mercantilistas (XVI-XVIII) temiam o excesso de liberdade, de modo que se apoiavam no Estado para planificar e regular a vida económica. A lista de políticas para promover o interesse nacional era, por isso, grande e variada. Regulamentos, impostos e subsídios para tudo, assim como monopólios legais na forma de privilégios e patentes eram comuns no mercantilismo. Daí o uso do processo político para garantir benefícios e assegurar os controles e condicionamentos requeridos à “boa” regulação. Ao mercantilismo corresponde, por isso, uma “economia de interesses”, a bem de (alguns) produtores e a mal dos consumidores.

Não parece, mas os tempos são de ascensão de uma nova economia de interesses (que está a minar o Estado e a economia de mercado).

No novo mercantilismo, a “regulação” também se pode considerar como resultado de um processo competitivo de grupos de interesse que lutam pela protecção do Estado. Só que num cenário absolutista, sendo o mercantilismo nacional oferecido pelo monarca e respectiva corte, havia custos mais baixos para os buscadores de renda do que num cenário democrático em que, pelo menos teoricamente, há separação de poderes. Mas, independentemente dos sistemas políticos, os mecanismos de captura de rendas mantêm-se.

Explicar a ascensão do socratismo implica prestar menos atenção ao que diz e mais ao que faz e por que o faz – em contraste com a incompetência do PSD –, de modo a apanhar o fio do guião e a fonte da paranóia controladora. A este título, o caso do BCP é exemplar e também revelador da maior qualificação dos espíritos mais medianos para se ocuparem do Governo (Tucídedes).

Pode-se estranhar por que razão o Estado se quer transformar em influente Banco de investimento, em vez de cuidar do essencial: justiça e segurança pública, que a prazo seriam o melhor investimento. Ou por que, além de condicionar a educação e segurança social e maltratar a saúde, insiste em concertar interesses na Banca.

Mas, à luz do neomercantilismo, as movimentações de bastidores, para uns difíceis de justificar e para outros até pouco éticas, tornam-se compreensíveis. Foi para tornar tudo ainda mais claro que a AG do BCP ocorreu numa Alfândega: um palco que facilitou aos accionistas de referência a avaliação dos riscos da liberdade. Infelizmente, os cronistas do reino tentam explicar ou compreender as cenas erradas, em vez de fazer as perguntas certas: a questão não é por que razão o Carlos levou o Armando com ele, mas antes por que o Vara levou o Carlos e não esqueceu o Paulo.

Cadilhe, representante dos vinténs, à saída da Alfândega do Porto, estranhava por que razão os grandes accionistas tinham aceite tão passivamente (ou será activamente?), a interferência do Estado/Governo na economia de mercado, na iniciativa privada, sem se (a)perceber, talvez por ele e um outro senhor com barrete frígio terem entrado pela porta larga, que a maioria dos representantes do capital entrou pelos fundos.

Em meados do século XVII, o nosso Francisco Manuel de Melo, na sua obra “O escritório avarento”(1655), em vez de falar de dinheiro, como é usual, conseguiu pôr as moedas a analisar a sociedade humana, e não os grandes pensadores a elas.

O autor socorreu-se da boca das moedas para mais livremente tentar compreender o mundo dos homens, dando voz a quatro interlocutores: um português fino, um dobrão castelhano, um cruzado moderno e um vintém navarro. Ora o que se passou na AG do BCP foi a adaptação pós-moderna, com apoio do novo príncipe, da obra, de 1655, representada por novas moedas de troca.

Quem percebeu o que lá se ia passar foi o novo CEO do BCP, daí não ter aparecido. O palco da Alfândega era para dar voz às moedas – aos novos finos, dobrões e cruzados –, não aos homens. Daí a facilidade com que se chegou ao tilintar do resultado, para uns (in)esperado e para outros assustador. Falta saber se a “solução” resistirá às intempéries e à reacção dos “vinténs” e como afectará, a prazo, a bolsa dos valores
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José Manuel Moreira

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