Porque se morre no Quénia?
"Salim Ahmed tinha 13 anos e sonhava ser engenheiro. Estava a jogar futebol num bairro pobre de Kisumu quando foi atingido por três balas perdidas disparadas pela polícia para dispersar manifestantes da oposição. É mais uma das mais de 700 vítimas mortais da violência que eclodiu no Quénia após a contestada reeleição do presidente Mwai Kibaki, a 27 de Dezembro passado, que está alastrar para o Sul do país, com confrontos entre as etnias Maasai e Kikuyu.(mais aqui)."
2 Comments:
A democracia era a palavra do descontentamento durante o colonialismo, mas que desapareceu por razões óbvias.
Suponho que o leitor deve estar, por esta altura, um pouco cansado das discussões a propósito da crise das caricaturas, mas há um aspecto que não pode nem deve ser ignorado. Há muitos europeus que estão a transformar o Islão numa entidade política. O que cria um duplo problema. Por um lado, está-se a politicizar uma religião, o que vai contra os princípios elementares das sociedades europeias. Por outro lado, começa a olhar-se para os países muçulmanos como se eles formassem um bloco islâmico homogéneo. Não só é falso, como uma eventual emergência de uma entidade desse tipo não serve os interesses dos países europeus. Neste sentido, é fundamental travar desde já o discurso político sobre o Islão.
Podemos começar pelo segundo ponto, colocando uma questão que nasce de uma surpresa. Por que razão se começou agora a olhar para os países muçulmanos como um bloco político? Antes de mais, a diversidade entre eles é enorme. Em termos políticos, culturais, económicos e sociais, quais são as afinidades entre, por exemplo, Marrocos, o Paquistão, a Indonésia, a Turquia, o Quénia, o Mali e a Bósnia? Só a religião une este conjunto de países, tudo o resto é diferente. Além disso, a história diplomática desde a descolonização demonstra que os países muçulmanos raramente são capazes de agir em conjunto. Também não há casos de integração regional com sucesso. Veja-se o que acontece no Norte de África. Por que razão, Marrocos, a Argélia, a Tunísia, a Líbia e o Egipto não são capazes de iniciar um processo de integração regional? No essencial, porque têm interesses divergentes e que muitas vezes entram em conflito. Passa-se o mesmo entre outros países muçulmanos. Aliás, o conflito e não a cooperação tem marcado a política do mundo muçulmano. Ou seja, em termos diplomáticos e estratégicos, a unidade islâmica não existe.
Durante as ultimas semanas também vimos governos e instituições da União Europeia reconhecer ao Islão uma natureza política. Não me recordo de ter visto em tão curto espaço de tempo tantos responsáveis políticos europeus a questionarem o principio da separação entre a política e a religião. Veja-se o caso dos direitos fundamentais dos cidadãos muçulmanos, um tema muito debatido. De acordo com os valores das sociedades europeias, esses direitos não têm origem na identidade religiosa mas na condição humana, cuja dignidade é reconhecida pelos Estados através da figura da cidadania.
Os ?Maomés? (passe a ironia) que vivem na Europa gozam de direitos, não porque são muçulmanos, mas porque habitam sociedades que atribuem direitos a todos os indivíduos, independentemente da sua origem, raça ou religião. É assim que deve ser e é assim que espero que a situação se mantenha. A maior das caricaturas foi termos ouvido governos de países onde não se respeita os direitos humanos mais elementares dizerem que os direitos dos muçulmanos foram violados pela Dinamarca. Será que é preciso recordar por que razão muitos muçulmanos deixam os seus países, vindo viver para a Europa?
Como mostra a historia moderna, os direitos individuais são atribuídos por constituições políticas e não pelas religiões. É por isso que convém manter os dois domínios muito bem separados.
Até ao início deste mês, a definição do Islão como entidade política surgia normalmente nos textos dos grupos radicais islâmicos e nos argumentos dos europeus e americanos que defendem a tese do ?choque das civilizações?. Para os primeiros, a politicizacão do Islão é um passo necessário para a sua agenda revolucionária e para legitimar o apelo ao terrorismo. Entre os segundos, encontramos alguns que estão simplesmente errados e outros que pretendem criar uma ameaça islâmica por razoes de agenda política interna. Não devemos esquecer um ponto elementar: para haver um choque, é necessário criar civilizações de natureza religiosa. Por trás do ?Islão?, vejo sempre a ?Cristandade? a espreitar. Por mim, prefiro manter as heranças do Renascimento e do Iluminismo e deixar a religião para a esfera privada. O que é irónico é que muitos dos que defenderam a necessidade de respeitar o Islão, pretendendo assim combater o radicalismo islâmico e a tese do choque de civilizações, ao concederem um estatuto político a uma religião, acabaram por os favorecer.
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