domingo, fevereiro 24, 2008

SÓCRATES AINDA MORA AQUI

"Na já lendária entrevista à Sic, o eng. Sócrates reclamou o mérito pela criação de 94 mil postos de trabalho, mas não pela perda de uns 100 mil. Exultou com o crescimento económico de 1,9%, mas não acha legítimo compará-lo com o crescimento superior dos restantes membros da UE. Confessou, comovido, que o aumento do IVA se realizou em benefício das contas públicas, mas em prejuízo da sua palavra. Proclamou, aliás, a ordem das contas públicas, mas já insinuou que a espatifará na resolução de "problemas sociais". Admitiu que nada daria mais gosto a um primeiro-ministro que baixar os impostos, mas não se dispõe a esse prazer terreno. Isto na economia e nas finanças.

Quanto à banca privada, o eng. Sócrates garantiu que o Governo não se envolveu na novela do BCP, mas alegrou-se por ter conseguido impedir que um dos administradores da Caixa se mudasse para lá. Na Educação, anunciou exigência, mas acrescentou que a exigência distinguirá as escolas do interior das do litoral. Na Saúde, elogiou os arremedos de reformas de Correia de Campos, mas deixou implícito que as reformas (e os arremedos) acabaram. Nas obras públicas, jurou que não houve recuo na localização do aeroporto, mas não explicou o tempo em que a Ota era indiscutível. No estilo, afirmou respeitar todas as opiniões, mas não as que se fundamentam em falsidades e, o que também é típico, alternou o tom pedagógico com intermitentes ameaços de irritação.

Em suma, a entrevista roçou o soporífero. As questões foram brandas, as respostas oscilaram entre o inevitável e o trôpego, em ambos os casos sem contraditório. No final, Ricardo Costa tentou salvar a noite com a pergunta de um milhão de dólares: será que o eng. Sócrates será candidato em 2009? A pergunta valia dez cêntimos (pelo insólito). A retórica do primeiro-ministro, um caldo razoavelmente memorizado de "clichés" e verdades parciais, valeu pouco mais.

Espantosamente, os comentadores em peso detectaram no homem uma frieza inexpugnável e, sobretudo, uma crua indiferença para com o Portugal profundo. Em dois dias, o refrão repetiu-se até à náusea: o eng. Sócrates paira num país virtual, o país do eng. Sócrates não é o nosso, o eng. Sócrates está distante do país autêntico. Etc. A sério? Eu vi apenas um político que se debate à superfície para não afundar, que compensa as carências pessoais com o discurso que lhe costuraram, que combate a relativa impotência com o desenrascanço. Um político que, coitado, faz pela vida. Se a isto juntarmos a pequena arrogância e outras duas ou três características próprias da raça, eu vi um português, exemplar e assaz terreno.

A propósito, quando dizemos que o eng. Sócrates não habita o país real, de que país falamos, do que lhe deu a maioria em 2005 ou do que, com vasta certeza, lhe dará a maioria em 2009?
"

Alberto Gonçalves

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