quarta-feira, fevereiro 27, 2008

Teoria e prática

"Admira que a economia britânica tenha tido o desempenho que teve nos últimos 15 anos. À luz da teoria económica isto é impossível.

Axel Leijohnufvud, economista sueco, fez em tempos um comentário deveras inteligente sobre a meta de inflação: funciona melhor na prática do que na teoria. Partilho da mesma opinião no que respeita à economia do Reino Unido. E sabendo nós o que sabemos – sobre o fraco crescimento da produtividade e a erosão da sua excelência científica e tecnológica –, admira que a economia britânica tenha tido o desempenho que teve nos últimos 15 anos. À luz da teoria económica isto é impossível.

Espero que o milagre económico britânico seja desmontado nos próximos anos e que a verdade venha ao de cima, isto é, que se esclareça que tudo não passou de um longo passeio de carro a alta velocidade “à boleia” de uma bolha de preços dos activos também ela demasiado longa. A economia do Reino Unido está prestes a sofrer uma desaceleração tão grave quanto a dos EUA ou ainda pior, visto o seu mercado imobiliário estar mais inflacionado e o sector financeiro ter grande peso no PIB. Segundo os meus cálculos, os preços do imobiliário residencial no Reino Unido situam-se 30% acima da tendência em termos reais. Não tendo a tendência mudado nos últimos anos, isto significa que os preços ajustados à inflação podem vir a cair até 40% face aos máximos registados.

Claro que a tendência pode ter mudado. É possível que o Reino Unido tenha atraído um tal número de investidores estrangeiros que a linha de tendência se desviou do padrão habitual. Mas os investidores estrangeiros podem desaparecer tão depressa como apareceram, uma vez que a sua presença constitui um reflexo da boa saúde do sector financeiro. Pessoalmente, acredito que a linha de tendência, velha de 50 anos, se mantém aproximadamente certa. No entanto, isso não impede que o sector financeiro britânico esteja em apuros e que a crise do crédito se vá prolongar no tempo, visto “alastrar” de um subsector a outro.

Tal como sublinhei noutros artigos, as ‘swaps’ de incumprimento de crédito (CDS na sigla inglesa) colocam sérios riscos à estabilidade financeira. Ora, é bom lembrar que a City de Londres tem sido o “centro” do mercado europeu de CDS e que o excesso de regulação no sector bancário pode vir a ser uma das consequências imediatas da crise do crédito. Esta intrusão pode não só visar o tipo de produtos que oferecem como a distribuição dos lucros e os pacotes salariais. E quanto mais amplos forem os apoios financeiros do Estado ou as nacionalizações, maior será a vingança dos órgãos reguladores.

A área financeira esteve na moda nos últimos 15 anos, mas daqui em diante é provável que passe a ter fama de non grata e que volte a ser o que a teoria económica sempre disse que deveria ser: uma actividade necessária, que exige algumas aptidões técnicas e que, na ausência de bolhas, é relativamente desinteressante. As implicações macroeconómicas da desaceleração no sector financeiro são bastante graves. No Reino Unido, o sector financeiro é o que mais contribui para a balança de pagamentos. O declínio terá lugar num momento inoportuno, visto o país registar actualmente um défice na balança de transacções correntes de 5,7% face ao PIB. Reduzir este défice para níveis mais sustentáveis vai obrigar a uma forte quebra no consumo e a um aumento considerável das poupanças – especialmente porque a maior indústria exportadora do país se encontra em recessão. Poderá o Banco de Inglaterra pôr cobro a este pesadelo reduzindo as taxas de juro? Parece-me que a resposta é “não”, pois trata-se de uma desaceleração diferente das anteriores. Esta deveu-se ao rebentamento de uma bolha e não à subida das taxas de juro. Isto leva-me a crer que a forte dependência do Reino Unido dos serviços financeiros e do sector imobiliário, vista até muito recentemente como um dos seus pontos fortes, passe a ser vista no futuro como uma fraqueza estrutural.

Não deixa de ser curioso que nos tenham dito que as economias no século XXI iriam vingar através dos serviços. Como é sabido as modas estão sujeitas a mudanças drásticas, mas no que toca ao desfasamento entre teoria e prática, em muitas circunstâncias é a teoria que nos dá uma percepção mais clara sobre os acontecimentos
."

Wolfgang Munchau

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