domingo, março 16, 2008

Da realidade à utopia

A mais recente e obscena operação de salvamento orquestrada pelo Fed - Bear Stearns - adiou o naufrágio de um mais pequenos e arrogantes bancos de Wall Street, tradicionalmente gerido por homens sem alma.
Não apenas relativamente aos clientes em dificuldades mas, sobretudo, contra os concorrentes.
Fervorosos discípulos das teorias “laissez-faire”, as suas equipas de gestão estiveram sempre na primeira linha da ortodoxia ultra liberal.
Em 1998, os principais bancos americanos, accionistas do Sistema da Reserva Federal - Fed - uniram esforços para a liquidação indolor do fundo hedge -Long-Term Capital Management, afectado pelo calote da Rússia.
Jimmy Cayne, presidente do conselho de administração do Bear não alinhou na operação.
Então, justificou a sua decisão como a “única forma de ensinar investidores irresponsáveis a pagarem o justo preço pelos seus erros.”
Em Janeiro passado, saíu pela porta das traseiras, com uma generosa indeminização e bónus, após a falência de dois fundos hedge controlados pelo Bear Stearn’s que soçobraram na orgia “subprime”.
Os tempos mudam, mas a corporação bancária estadunidense, insiste na mesma solução: salvar os amigos e distorcer o mercado. Alan Schwartz, o sucessor de Cayne após o despedimento forçado pelos accionistas, conseguiu a entrada do banco nos cuidados intensivos, com a ajuda do Fed e de banqueiros amigos, para um tratamento de emergência.
Para cumprimento da lei, o Fed emprestou ao JPMorgan Chase o dinheiro necessário para que o “doente” continue a respirar nos próximos 28 dias
Este tipo de operações, nos EUA, podem ser executadas por bancos comerciais mas são proibidas a bancos de investimento.
A intervenção de ontem, contrasta com o procedimento adoptado, em 1990, face ao banco de investimento Drexel Burnham Lambert forçado a declarar falência.
O salvamento do Bear tem mais a ver com o papel de bastidores que desempenhava - intermediário de operações de alto risco (subprime e hedge funds) para importantes operadores financeiros de Wall Street.
O papel do “salvador” JPMorgan Chase pode evoluir rapidamente para o de accionista maioritário, numa analgésica operação cirúrgico-financeira, habitualmente classificada como de takeover.
Carlyle Capital, uma das estrelas dos sofisticados e modernos fundos de capital de risco, entrou em colapso esta semana e os investidores arcaram com os prejuízos (USD 16 mm).
O desespero do Fed salta à vista quando, contra todas as regras prudenciais, passou a aceitar dos bancos com crises de liquidez garantias hipotecárias de duvidosa qualidade contra Títulos do Tesouro, instrumentos de dívida mais credíveis.
Existe melhor exemplo de que o banco emissor americano perdeu o controlo da situação? Injecções maciças de capital no sistema interbancário, generosos e rápidos cortes nas taxas de juro - de 5,25% para 3% em apenas seis meses - não acalmaram os mercados, antes espalharam o pânico.
A crise ainda não afectou os grandes nomes de Wall Street porque receberam vultuosas injecções de fundos soberanos árabes e asiáticos.
Mas, como temos vendo a dizer desde Agosto, a gravidade da situação não se circunscreve a umas dúzias de instituições que tomaram arriscadas decisões de investimento.
A crise americana é, por mais que custe aos agentes do sistema e seus mensageiros, não é bancária.
É sistémica.
As finanças globais não estão doentes por causa de uma epidemia.
Estão em coma, na sequência de uma pandemia de crédito.
MRA Alliance, Dep. Data Mining
PVC

A opinião manipulada oficial já não pode esconder o que se passa.
Para quem tem memória poder-se-á lembrar que cada vez que alguém falava da crise gerada pelo fenómeno subprime, sistematicamente e de forma sistémica, era apelidado de alarmista e de ignorante.
Já não pode haver dúvidas que nos aproximamos de grande convulsão do sistema económico mundial.
É quase certo que daqui a poucos anos será difícil encontrar uma só pessoa que admita ter apoiado o regime global, que a opinião actual considera imutável.
Os mercados hoje não progridem em vagas suaves, progridem por ciclos de expansão e contracção, de especulação patologicamente obsessiva e de crises financeiras.
Foi compreendido que o capitalismo não age para a coesão da sociedade. Daí à necessidade de ser domado.
O laissez faire global tornou-se uma ameaça à paz entre estados.
Qualquer nova experiência utópica como o socialismo marxista foi, ou como o mercado livre global é, vai encalhar com necessidades humanas vitais.

10 Comments:

Anonymous Anónimo said...

Este comentário foi removido por um gestor do blogue.

segunda-feira, março 17, 2008  
Anonymous Anónimo said...

Este comentário foi removido por um gestor do blogue.

segunda-feira, março 17, 2008  
Anonymous Anónimo said...

Alguém uma vez disse que a inflação é o mesmo par de sapatos custar 10 Usd nos EUA, 10 GBP em Inglaterra e 10 Euros na Alemanha. Não previa que haveria de custar 1 Euro na China. Quanto ao fluxo de trabalhadores migrantes dentro desse mesmo grande país, o correspondente da The Economist calcula que um ligeiro abrandamento das leis que proíbem a livre deslocação dos chineses dentro da China traria cerca de 9 milhões de pessoas para trabalharem nas fábricas...no dia seguinte, isto num artigo de fundo que desmistifica o empolamento das pressões inflacionistas na China, o grande exportador de desinflação. E ainda há a almofada duma divisa algo (também não tanto como dizem os Senadores americanos)sobrevalorizada, a julgar pela mais interessante ferramenta de apreciação da correlação divisas/inflação: O Big Mac Index, inventado pela Economist Intelligence Unit a partir duma brincadeira.

segunda-feira, março 17, 2008  
Anonymous Anónimo said...

No último quartel do século XX operou-se na ciência económica uma mudança que iria estar na base do longo período de estabilidade e crescimento da economia mundial a que temos vindo a assistir. O seu ponto de partida foi a consciência de não nos ser possível conhecer as causas de fenómenos tão complexos como a inflação ou o crescimento económico. Tal não impedia, contudo, a teoria económica de os explorar, de forma científica, a partir de hipóteses muito simples quanto ao comportamento dos agentes e à natureza dos mercados por forma a obter resultados válidos para a condução da política económica e para a definição de estratégias de investimento financeiro. A política monetária e os mercados financeiros foram os domínios privilegiados de aplicação deste “novo paradigma”, tirando partido da disponibilidade de dados, do desenvolvimento dos computadores e da utilização de técnicas matemáticas cada vez mais sofisticadas.

Os resultados foram, como se viu, excelentes. Embora continuemos a não ter uma explicação satisfatória da inflação , ela foi controlada praticamente em todo o mundo. E embora permaneçamos incapazes de explicar o desenvolvimento, tal não impediu a economia mundial de crescer a um ritmo excepcional. Continuamos, no entanto, a ser meros aprendizes de feiticeiro e, não obstante o carácter aparentemente científico dos modelos económicos e financeiros, não sabemos o que fazer quando a realidade nos confronta com as consequências de um crescimento assente num consumo predador do ambiente e dos recursos naturais, baseado no endividamento possibilitado por modelos financeiros que, nas palavras de Avinash Persaud, descrevem com elegância um mundo que não existe e que finalmente entraram em choque com a realidade.

Esse choque está agora bem expresso na forma como os mercados passaram a reagir aos esforços estrénuos do Fed para repetir os golpes de magia de Greenspan. Já lá vai o tempo em que às descidas da taxa de intervenção do Fed correspondia o aumento de confiança dos mercados na economia americana, a subida do dólar, a descida das taxas de juro de longo prazo e um novo fôlego para o crescimento do crédito, da alavancagem e da “inovação” destinada a evadir as regras e os impostos, a que as autoridades fechavam sabiamente os olhos.

O que mudou? Para o perceber, temos de voltar ao velho paradigma e procurar compreender porque é que a inflação desceu, a produtividade subiu e de que modo as autoridades e os mercados financeiros funcionaram. A inflação é um ponto chave. Desceu graças à capacidade dos bancos centrais para a controlar ou isso deveu-se à entrada no mercado mundial de algumas centenas de milhões de trabalhadores com salários muito baixos, produzindo bens e serviços baratos e pressionando os salários nos países desenvolvidos? Não há dúvida de que se registaram importantes progressos em matéria de política monetária e orçamental. A questão está em saber até que ponto eles foram efémeros, devidos ao próprio crescimento e à globalização, e como vão lidar com a subida dos preços da energia e das matérias-primas e com a impossibilidade de continuar indefinidamente a fazer recair sobre os trabalhadores, tanto dos países desenvolvidos como dos emergentes, os custos dessa evolução.

A globalização deu um forte impulso ao crescimento, à produtividade e ao bem-estar dos países emergentes. Porém, a acumulação de reservas pala China fez-se graças a uma política económica que passou os seus custos para os trabalhadores, e o fluxo destes começa a abrandar. Além disso, por todo o mundo, o uso ineficiente dos recursos naturais está a produzir as inevitáveis consequências. Pensar que é possível voltar a controlar a inflação pelos métodos próprios dos bancos centrais, ignora esses factos e, portanto, o risco de uma recessão que nada tem a ver com os dois ou três trimestres para que continuam a apontar os técnicos das séries cronológicas. A saída rápida dessas recessões deveu-se ao consumo assente no endividamento e na “inovação” financeira e ao contributo chinês para a descida da inflação. Agora a inflação sobe na China, o dólar cai a pique e o sistema financeiro confronta-se com os seus próprios limites. É tempo de nos pormos ao trabalho, reconhecendo que não basta a simples esperança na magia dos bancos centrais e das instituições financeiras para sairmos do imbróglio. Citando Paul Krugman, ‘hope is not a plan’.

segunda-feira, março 17, 2008  
Anonymous Anónimo said...

Interessante reflexão ,ao denunciar a maior transformação na economia mundial,nos ultimos anos.O custo do factor "trabalho" caiu a pique ,graças à "ditadura do proletariado" chinesa.Mas, penso que há outra razão para o controle dos índices: a magnitude da utilização de duas grandes moedas estáveis, nas transacções mundiais:o tradicional dólar e o euro.A moeda europeia veio anular os jogos cambiais dentro deste espaço , possibilitando o ajustamento controlado dos preços

segunda-feira, março 17, 2008  
Anonymous Anónimo said...

A inflacção está controlada ? Em Portugal ? Em Espanha ? na China ? Na Alemanha ? Sempre que 1 economista avança com 1 teoria, na semana seguinte a dona realidade lá vem contrariar a teoria. Enfim...

segunda-feira, março 17, 2008  
Anonymous Anónimo said...

1. O relatório anual do I.F.R.I. (FR) denominado "RAMSES" explica tranquilamente que o sistema global de poderes está em mutação e que a RP CHINA e a INDIA são as potencias emergentes. 2.Além disso,sendo a economia chinesa o motor da economia mundial seriam os EUA , paradoxalmente, a maior vítima dum eventual "arrefecimento chinês". 3.Aqueles que amam mesmo a PAZ, sem recurso ao paleio politicamente correcto, sabem bem que o comércio livre internacional é um formidável instrumento para a PAZ. Hoje como no passado.

segunda-feira, março 17, 2008  
Anonymous Anónimo said...

.Então o capitalismo ocidental ia matar a galinha dos ovos de ouro que e´ter uma espécie de "manpower" que fornece trabalho disciplinado e barato?Acresce que, a criatividade chinesa começa a trazer aos mercados, produtos que são inovadores a nível mundial

segunda-feira, março 17, 2008  
Anonymous Anónimo said...

A Globalização é um paradoxo criado Pela Escola Económica Ocidental. Para haver Globalização de produtos e capitais tem de haver a mesma capacidade de produzir e consumir, em toda a área da SOCIEDADE GLOBALIZADA, que, concorrendo entre si, se complementa e engrandece, mas nesta globalização nada disso acontece, bem pelo contrário, o que se verifica é o aproveitamento das fraquezas sociais e económicas, dos países ditos EMERGENTES, é isso e só isso, o OBJECTIVO DESTA FANTASIADA GLOBALIZAÇÃO, que serve, única e exclusivamente, para fugir às regras dos países ditos ricos em benefício duns ESPERTOS TRANSACIONISTAS DE MERCADORIAS que, por esta via, têem enriquecido, propagueando as MARAVILHAS deste tipo de fazer fortuna, Enquanto houver CAPACIDADE de compra no local de venda, O OCIDENTE. -A China, a India e outros Países por esse PLANETA FORA têem um longo e penoso percurso a percorrer quando as sus populações "acordarem", porque, por enquanto, sâo as elites que estão a "sugar" as suas produções a custo "do sofrimento das suas BARRIGAS" vendendo-as às Multinacionais e negociantes Ocidentais. O grave desta "globalização" é que tamgém as populações Ocidentais estão a ser LAPIDADES em BENEFÍCIO de UNS TANTOS PRECOCES-MULTIMILIONÁRIOS ESPERTALHÕES DESTE JOGO, que enchendo-se, ESVAZIAM a capacidade do OCIDENTE, INTELECTUAL, SOCIAL E INDUSTRIALMENTE.

segunda-feira, março 17, 2008  
Anonymous Anónimo said...

Americano não é parvo! compra em $ e vende em €. Paga Europa!

segunda-feira, março 17, 2008  

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