quarta-feira, março 19, 2008

Má moeda no PSD?

"Cavaco Silva afirmava que o mercado partidário não era concorrencial nem transparente. O diagnóstico permanece actual.

No polémico artigo sobre a “má moeda” – ainda se lembram? – Cavaco Silva afirmava que os “agentes políticos incompetentes afastam os competentes.” Isto porque o mercado partidário em Portugal não era concorrencial nem transparente.

Passaram vários anos mas o diagnóstico permanece actual. Quem conhece um pouco a vida partidária sabe que os partidos tendem a fechar-se, dominados por dirigentes interessados em perpetuar-se no poder. Escasseia o debate de ideias, discutem-se sobretudo lugares e questões pessoais. Quase não se faz política no sentido cívico do termo. São cada vez menos aqueles que se dedicam de modo altruísta e desinteressado. A ideologia perdeu importância. As “tendências” agora formam-se à volta de nomes que representam poder: apostar no “cavalo certo” para retirar benefícios no futuro. Perdidos os ideais, os partidos correm riscos de “cartelização”, tornando-se apenas corporações de interesses.

Vem isto a propósito da crise do PSD, despoletada pelas alterações aos regulamentos internos sobre financiamento, quotas e militantes, aprovadas no último Conselho Nacional do partido.

Mas qual o interesse deste tema? Vale a pena gastar tempo com a burocracia interna do PSD?

Havel defendeu que são necessários políticos mas não partidos. Não passa de uma utopia. Os partidos são essenciais à democracia. Actuam como intermediários entre governantes e governados. Através deles são escolhidos os titulares de cargos políticos. Em Portugal têm mesmo o exclusivo de certos direitos políticos, como apresentar candidatos à Assembleia da República. Por isso a democraticidade interna dos partidos é importante para a qualidade da democracia.

No caso do PSD o tema torna-se ainda mais importante. Por mais curioso que pareça, o líder do PSD, seja ele qual for, arrisca-se a ser o próximo primeiro-ministro. Ou seja, os militantes do PSD (tal como os do PS) têm um poder especial de escolher o (potencial) líder do governo do país, o que torna o assunto muito mais sério.

Assuntos desinteressantes como quotas, militantes e cadernos eleitorais, assumem interesse público no caso do maior partido da oposição. Desculpem o plebeísmo, mas uma “chapelada” no PSD poderia contagiar todo o sistema democrático.

Por esta razão a lei impõe certas regras, como a proibição de pagamentos a dinheiro sem controlo (art. 3.º/2 da Lei 19/2003). Como recentemente recordou a Entidade de Contas e Financiamentos Políticos, a transparência não é compatível com o anonimato das contribuições financeiras. Por esse motivo existem normas ilegais no novo Regulamento de Quotas do PSD, o que pode levar à impugnação de eleições internas do partido no Tribunal Constitucional, por qualquer militante.

No meio desta polémica, Luís Filipe Menezes veio agora anunciar que vai propor, no próximo congresso, que as quotas passem a ser facultativas. Puro disparate. Para além da falta de oportunidade – deveria ter-se lembrado antes do último Conselho Nacional, como bem referiu Marcelo Rebelo de Sousa – esta mudança iria aumentar ainda mais os riscos de “caciquismo” ao facilitar a entrada massiva de militantes sem qualquer ligação ao partido, mesmo que simbólica, como é o caso do pagamento de uma quota.

O PSD está a mudar rapidamente. A introdução das “directas” alterou profundamente a lógica interna de poder. As recentes alterações regulamentares aumentam, na minha opinião, os riscos de manipulação eleitoral e “caciquismo”. Em nada ajudam o partido e o seu líder a ganhar credibilidade – o grande problema actual – para ser ouvido pelo país e assumir-se como alternativa ao actual Governo.

O PSD mostra-se incapaz de comunicar com as pessoas. Precisa de se voltar para fora, voltar à política, discutir ideias concretas para o país. Ganhar o “argumento” para depois poder sonhar em conquistar o poder. Se não o fizer rapidamente corre o risco de este ciclo de decadência se tornar irreversível.
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Paulo Marcelo

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