Ponto de viragem
"A crise financeira internacional está aí para durar, e seja qual fôr a cura encontrada, vai deixar um longo rasto de perdas.
Nas últimas semanas, os preços das casas norte-americanas continuaram em queda livre. As perdas nas instituições financeiras com interesses no mercado de crédito hipotecário avolumaram-se, levando à ruína o quinto maior banco de investimento daquela nação. O mercado de trabalho contraíu-se pelo terceiro mês consecutivo e o consumo privado deu sinais preocupantes de hesitação. A crise financeira internacional está aí para durar, e seja qual for a cura encontrada, vai deixar um longo rasto de perdas. A maior de todas, contudo, ocorrerá se não se fizer desta crise um ponto de viragem que impeça que situações idênticas se repitam num futuro próximo.
No último dia 16 de Março, o sr. Alan Greenspan classificou a situação actual como “a pior crise financeira desde o final da segunda guerra mundial” e tornou públicas três reflexões paradoxais que importa a este respeito recordar.
Primeiro, segundo o sr. Greenspan, todos aqueles que (como ele) confiam no interesse próprio das instituições financeiras para proteger os interesses dos accionistas têm razões para estar em estado de choque perante os antecedentes da crise actual. Contudo, o ilustre ex-presidente da Reserva Federal Americana apressa-se a notar que seria um erro abandonar o sistema de auto-regulação financeira enquanto mecanismo de equilíbrio fundamental do mercado financeiro global.
Segundo, o problema essencial, na perspectiva do sr. Greenspan, reside nas limitações dos actuais modelos de avaliação de risco e previsão macroeconómica, que não incorporam um tratamento diferencial apropriado entre momentos de expansão/euforia e recessão/medo. No entanto, reconhece ao mesmo tempo que a maior parte dos comportamentos duvidosos nos mercados financeiros em períodos de expansão/euforia não são o resultado de ignorância ou má avaliação de risco mas da necessidade dos operadores participarem na corrente de euforia para não perderem quota de mercado. Também reconhece que um hipotético aumento da eficácia dos modelos de gestão de risco na identificação de episódios de euforia poderia, por si só, ter como efeito o seu prolongamento e ampliação.
Terceiro, perante isto, conclui que num futuro rescaldo da crise é fundamental proteger a concorrência e flexibilidade dos mercados enquanto forma mais fiável de protecção contra falhas económicas cumulativas.
A conclusão do sr. Greenspan ilustra bem aquele que é o maior risco que esta crise pode reservar para o futuro: o risco de nada se aprender, nada se fazer, e reincidir nos mesmos erros. Limita-se a desviar o olhar dos problemas nos sistemas de incentivos que caracterizam as instituições financeiras modernas e da sua capacidade para gerar crises e tomar como refém o resto da economia.
Tal como referi anteriormente nesta coluna (12-02-2008), os esquemas de remuneração nestas instituições desalinham interesses de gestores e investidores. Dean Foster e Peyton Young publicaram recentemente um artigo académico onde expõem precisamente essa extrema dificuldade em conciliar interesses, e em particular, a dificuldade em distinguir entre bons e maus gestores (entre gestão de qualidade e sorte/assunção de risco) quando o único instrumento para o efeito é a taxa de retorno observado sobre o investimento. A questão foi também recentemente ilustrada por John Kay numa coluna do Financial Times (11-03-2008) na qual o economista alerta para o facto de o sistema de remuneração típico dos esquemas de ‘private equity’ e ‘hedge funds’ (2% de comissão de gestão + 20% sobre a ‘performance’ do fundo), combinado com a força dos juros compostos, permitir que gestores medíocres (que não acrescentam valor nenhum) enriqueçam à custa dos titulares dos fundos.
Ignorar a tendência das instituições financeiras modernas para gerar resultados avultados no curto prazo, sem reflectir adequadamente os riscos que criam no médio/longo prazos e a sua capacidade para, mais tarde, tomar o resto da economia como refém quando os riscos vêm à superfície tem tanto de ingénuo quanto de perigoso. Ingénuo porque roça o fundamentalismo de mercado. Perigoso porque o fundamentalismo de mercado normalmente paga-se caro."
Miguel Castro Coelho
Nas últimas semanas, os preços das casas norte-americanas continuaram em queda livre. As perdas nas instituições financeiras com interesses no mercado de crédito hipotecário avolumaram-se, levando à ruína o quinto maior banco de investimento daquela nação. O mercado de trabalho contraíu-se pelo terceiro mês consecutivo e o consumo privado deu sinais preocupantes de hesitação. A crise financeira internacional está aí para durar, e seja qual for a cura encontrada, vai deixar um longo rasto de perdas. A maior de todas, contudo, ocorrerá se não se fizer desta crise um ponto de viragem que impeça que situações idênticas se repitam num futuro próximo.
No último dia 16 de Março, o sr. Alan Greenspan classificou a situação actual como “a pior crise financeira desde o final da segunda guerra mundial” e tornou públicas três reflexões paradoxais que importa a este respeito recordar.
Primeiro, segundo o sr. Greenspan, todos aqueles que (como ele) confiam no interesse próprio das instituições financeiras para proteger os interesses dos accionistas têm razões para estar em estado de choque perante os antecedentes da crise actual. Contudo, o ilustre ex-presidente da Reserva Federal Americana apressa-se a notar que seria um erro abandonar o sistema de auto-regulação financeira enquanto mecanismo de equilíbrio fundamental do mercado financeiro global.
Segundo, o problema essencial, na perspectiva do sr. Greenspan, reside nas limitações dos actuais modelos de avaliação de risco e previsão macroeconómica, que não incorporam um tratamento diferencial apropriado entre momentos de expansão/euforia e recessão/medo. No entanto, reconhece ao mesmo tempo que a maior parte dos comportamentos duvidosos nos mercados financeiros em períodos de expansão/euforia não são o resultado de ignorância ou má avaliação de risco mas da necessidade dos operadores participarem na corrente de euforia para não perderem quota de mercado. Também reconhece que um hipotético aumento da eficácia dos modelos de gestão de risco na identificação de episódios de euforia poderia, por si só, ter como efeito o seu prolongamento e ampliação.
Terceiro, perante isto, conclui que num futuro rescaldo da crise é fundamental proteger a concorrência e flexibilidade dos mercados enquanto forma mais fiável de protecção contra falhas económicas cumulativas.
A conclusão do sr. Greenspan ilustra bem aquele que é o maior risco que esta crise pode reservar para o futuro: o risco de nada se aprender, nada se fazer, e reincidir nos mesmos erros. Limita-se a desviar o olhar dos problemas nos sistemas de incentivos que caracterizam as instituições financeiras modernas e da sua capacidade para gerar crises e tomar como refém o resto da economia.
Tal como referi anteriormente nesta coluna (12-02-2008), os esquemas de remuneração nestas instituições desalinham interesses de gestores e investidores. Dean Foster e Peyton Young publicaram recentemente um artigo académico onde expõem precisamente essa extrema dificuldade em conciliar interesses, e em particular, a dificuldade em distinguir entre bons e maus gestores (entre gestão de qualidade e sorte/assunção de risco) quando o único instrumento para o efeito é a taxa de retorno observado sobre o investimento. A questão foi também recentemente ilustrada por John Kay numa coluna do Financial Times (11-03-2008) na qual o economista alerta para o facto de o sistema de remuneração típico dos esquemas de ‘private equity’ e ‘hedge funds’ (2% de comissão de gestão + 20% sobre a ‘performance’ do fundo), combinado com a força dos juros compostos, permitir que gestores medíocres (que não acrescentam valor nenhum) enriqueçam à custa dos titulares dos fundos.
Ignorar a tendência das instituições financeiras modernas para gerar resultados avultados no curto prazo, sem reflectir adequadamente os riscos que criam no médio/longo prazos e a sua capacidade para, mais tarde, tomar o resto da economia como refém quando os riscos vêm à superfície tem tanto de ingénuo quanto de perigoso. Ingénuo porque roça o fundamentalismo de mercado. Perigoso porque o fundamentalismo de mercado normalmente paga-se caro."
Miguel Castro Coelho
0 Comments:
Enviar um comentário
<< Home