Convite imprudente
"O Banco Espírito Santo cometeu a imprevidência de convidar Bob Geldof para uma conferência sobre desenvolvimento sustentável, sabendo as opiniões que ele há muito exprime sobre o drama do continente africano e alguns regimes corruptos que aí prosperam e enriquecem assentes na tirania e na miséria das populações. Angola é um desses regimes, que aparece por sistema no topo das listas da corrupção, do constante atropelo dos direitos humanos, dos mais vergonhosos índices de mortalidade infantil, da falta de democracia e do pior aparelho repressivo político e militar.
Para além de tudo isto, Angola é, como agora se diz, um mercado emergente com enorme potencial. Onde o BES aposta há muito, com negócios da banca aos diamantes, das pescas à construção. O BES e quase todas as grandes empresas portuguesas, do sector financeiro (BPI, BCP, Totta, Finibanco) à construção (Mota-Engil, Soares da Costa, Teixeira Duarte), à energia (Galp) e telecomunicações, ao turismo e por aí fora.
Ora, para surpresa do estupefacto e imprudente BES, Geldof veio dizer que este tão apetecível e bem frequentado mercado emergente é um regime «gerido por criminals» (poupe-se a tradução demasiado literal). Denunciou apenas uma realidade há muito conhecida, mas que os empresários portugueses – tão lestos a comoverem-se por Timor, pela repressão no Tibete ou pelos exilados cubanos – não gostam que se diga em voz alta. O BES apressou-se a qualificar de «injuriosas» as palavras do seu convidado. E Mira Amaral, esta semana empossado à frente do banco angolano BIC, da filha de Eduardo dos Santos (o que diria se fosse obrigado a fazer negócios em França com o filho de Sarkozy ou em Inglaterra com o genro de Gordon Brown?), não conteve o seu desagrado: «Quando cantores de música pop se põem a falar sobre assuntos sérios, não sabem o que dizem».
Geldof sabe muito bem o que diz. Sabemos todos. E os empresários portugueses estão no seu direito de trocarem princípios éticos por negócios, de esquecerem valores civilizacionais em nome das oportunidades de investimento, de preferirem a cumplicidade do silêncio e a conivência do pragmatismo a que outros tomem o seu lugar à mesa dos milhões do petróleo angolano. Mas poupem-nos à hipocrisia das pretensas injúrias. E das falsas indignações."
JAL
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