OS MAUS SELVAGENS
"Nos "telejornais", as reportagens sobre Josef Fritzl, o austríaco que emparedou a descendência, não escapam aos lugares-comuns. "Como é possível isto acontecer?" é o cliché preferido. Se o cliché prova as limitações dos repórteres, também soa estranhamente sincero. De algum modo, ainda nos surpreendemos com a revelação da crueldade da espécie.
A fim de encontrar uma racionalidade e uma espécie de conforto, a imprensa busca um padrão local. E, de facto, nem precisa sair das caves austríacas para citar o caso de Natascha Kampusch, a rapariga que fugiu há dois anos de um sequestro de oito. Mas poderia nem sair da região do sr. Fritzl e do Danúbio para evocar um certo Adolf, que em Linz passou o melhor da sua vida e em Linz contava terminá-la em paz, após arrasar a Europa e condenar milhões a um destino menos volátil que um subterrâneo.
Infelizmente, a geografia não explica nada. É até pueril dizer-se que barbáries comparáveis, individuais ou colectivas, sucederam e sucedem em toda a parte, a toda a hora. O Mal, se quiserem com maiúscula, não depende em última instância de lugar, raça, credo ou classe. O que talvez dependa de alguma coisa é o modo como reagimos ao Mal.
Descontados o sentimentalismo e o "voyeurismo", no contexto difíceis de destrinçar, é saudável experimentarmos um espanto autêntico perante as medonhas aventuras do sr. Fritzl. A consciência do sofrimento alheio representa um acto de decência e uma marca distintiva face aos que, por exemplo, educam os filhos com vista ao martírio religioso e a uma recompensa em dólares. A civilização, ou a cultura na acepção relativamente estrita do termo, é, apesar de altamente falível, o maior antídoto contra o horror, e por isso é que no Ocidente o horror é mais raro, mais excêntrico aos costumes, mais digno de atenção.
A civilização é, afinal, a resposta à pergunta "Como é possível isto não acontecer mais vezes?", outro cliché muito usado nestas circunstâncias e igualmente compreensível."
Alberto Gonçalves
A fim de encontrar uma racionalidade e uma espécie de conforto, a imprensa busca um padrão local. E, de facto, nem precisa sair das caves austríacas para citar o caso de Natascha Kampusch, a rapariga que fugiu há dois anos de um sequestro de oito. Mas poderia nem sair da região do sr. Fritzl e do Danúbio para evocar um certo Adolf, que em Linz passou o melhor da sua vida e em Linz contava terminá-la em paz, após arrasar a Europa e condenar milhões a um destino menos volátil que um subterrâneo.
Infelizmente, a geografia não explica nada. É até pueril dizer-se que barbáries comparáveis, individuais ou colectivas, sucederam e sucedem em toda a parte, a toda a hora. O Mal, se quiserem com maiúscula, não depende em última instância de lugar, raça, credo ou classe. O que talvez dependa de alguma coisa é o modo como reagimos ao Mal.
Descontados o sentimentalismo e o "voyeurismo", no contexto difíceis de destrinçar, é saudável experimentarmos um espanto autêntico perante as medonhas aventuras do sr. Fritzl. A consciência do sofrimento alheio representa um acto de decência e uma marca distintiva face aos que, por exemplo, educam os filhos com vista ao martírio religioso e a uma recompensa em dólares. A civilização, ou a cultura na acepção relativamente estrita do termo, é, apesar de altamente falível, o maior antídoto contra o horror, e por isso é que no Ocidente o horror é mais raro, mais excêntrico aos costumes, mais digno de atenção.
A civilização é, afinal, a resposta à pergunta "Como é possível isto não acontecer mais vezes?", outro cliché muito usado nestas circunstâncias e igualmente compreensível."
Alberto Gonçalves
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