quarta-feira, junho 04, 2008

Febre

"Um jornal diário escrevia, um dia destes, que o país está “aos pés da Selecção” de futebol, e que “nos próximos dias vai ser difícil ouvir falar nos preços dos combustíveis”.

É a febre do futebol que ataca fortíssima neste mês de Junho. E a febre não tem nada a ver com gostar-se de futebol, torcer por uma equipa ou, neste caso, pela Selecção, vibrar com as emoções da competição. A febre é um sintoma de doença. Porque só um doente se dispõe a prostrar-se, e ao país, aos pés da bola. Embora a doença venha mesmo a calhar pois tem efeitos secundários ao nível da memória: os doentes esquecem os preços dos combustíveis e da alimentação agravados pela especulação e pela canga fiscal.

A amnésia derivada da febre abrange de igual modo as promessas por cumprir e as desigualdades que daí persistem e se agravam. E é assim que todos aqueles que se dizem preocupadíssimos com as desigualdades sociais causadas pelas políticas que praticam metem uns dias de folga para assistir os apanhados pela febre. Os jogadores da Selecção partiram para a Suiça como se fossem a caminho das Descobertas. Nem lhes faltou a vista sobre o Tejo para recordar a rota da Boa Esperança.

Em todo este processo febril o seleccionador desempenha um papel essencial. Com toda a lábia de pregador de ilusões, o seleccionador é um promotor de “eventos”. Nas últimas semanas, enquanto os adversários da Selecção se treinavam no duro para o Europeu, os seleccionados, pela mão do seleccionador, participavam em “eventos” e operações de marketing.

Um dia destes, passa a febre e o país mergulha de novo no estupor. E salvo se acontecer uma sucessão de golpes individuais de génio não restará nada. Nem a taça. Ficam apenas os estupores
."

João Paulo Guerra

Divulgue o seu blog!