quarta-feira, junho 04, 2008

A FOME E A FARTURA

"A imagem do anafado capitalista indiferente à miséria alheia é um clássico. Há dias, porém, ao ver um anafado dirigente do Bloco de Esquerda aproveitar o ar dos tempos e jurar a existência de 100 mil famintos no distrito do Porto, recordei a alternativa à indiferença do capitalismo perante a miséria: o júbilo dos anticapitalistas. Em vez lamentar os tais 100 mil desgraçados (medidos com liberdade poética a partir do Banco Alimentar), o rapaz do BE celebrava-os. Mesmo que abomine o mercado, toda a gente gosta de constatar o aumento da procura aos seus produtos. Tradução: quanto maior o número de pobres, mais próspera vai a esquerda radical, uma evidência que Mário Soares lembrou em artigo aqui no DN.

Naturalmente, o dr. Soares esqueceu-se de referir a evidência recíproca: quanto mais próspera a esquerda radical, maior o número de pobres. Mas, ainda que indirectamente, um estudo recente não se esqueceu. O estudo, realizado por uma consultora independente, versa o impacto na economia (a dez anos) da eventual abertura dos "hipermercados" nas tardes de domingo e nos feriados: 2500 milhões de euros de riqueza; 8 mil empregos directos; 600 milhões de euros em novos salários; 1500 milhões em receita fiscal. Se estes seriam os ganhos hipotéticos da liberalização dos horários, não é difícil inventariar as perdas reais da sua limitação, decretada por São Guterres em 1995 e mantida até hoje com o frenético aval de BE, PCP e o divertido "alegrismo".

O caso dos "hipermercados" é apenas um exemplo da preocupação com a pobreza dos partidos mencionados: preocupam-se tanto que fazem tudo para a manter e, se possível, impulsionar. Aliás, se um décimo das respectivas "soluções" económicas vingasse, estaria realizado num ápice o sonho antigo de acabar com os ricos e criar um país exclusivamente habitado por indigentes.

Claro que o (relativo) apelo eleitoral da esquerda em causa é só o reflexo extremado de uma ideia peregrina: a de que o Estado é a resposta às situações de crise. Não importa que, pelo menos em Portugal e em larga medida, esse Estado balofo, intrometido e incapaz seja o principal responsável pelas crises, ou no mínimo um colaborador activo. Uma tradição nacional de dependência atribui-lhe as propriedades salvíficas que nunca teve. É por isso que se reage aos desvarios que o Estado fomenta com exigências de mais Estado, é por isso que a penúria avança sem obstrução e é por isso que os senhores da esquerda radical exultam. Pudera: a fome dos outros é a fartura deles
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Alberto Gonçalves

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