Qual liberalismo?
"A esquerda acha que pode mudar o mundo, mas na verdade só consegue mudar aquilo que já antes mudou na realidade social.
Num contexto há muito ultrapassado – nos anos setenta do século XX – o filósofo italiano Norberto Bobbio perguntava: “Qual socialismo?”. O seu problema era o da relação desta ideologia com os regimes demo-liberais e a posição de Bobbio consistia em favorecer uma forma liberal de socialismo. Mas o intento do pensador italiano parece hoje perdido num passado remoto. A sua tentativa de liberalização do socialismo era apenas um caminho que se tornava necessário percorrer até chegar à evidência do fim das alternativas socialistas.
No entanto, ao que tudo indica, a esquerda portuguesa passou ao lado desta discussão (com algumas excepções, como é óbvio), tal como costuma passar ao lado de muitas outras. Como se tem visto na “inflexão socialista” gerada por Manuel Alegre e pelo crescimento das intenções de voto no BE e PCP, o Governo agora quer mais Estado e até quer fazer de Robin dos Bosques. Ou seja, prepara-se para a demagogia fiscal: ao mesmo tempo que baixou o IVA – o mais justo dos impostos, porque incide sobre o consumo, especialmente de bens não essenciais –, anda à procura dos sectores de actividade com lucros, para lhos retirar. Como se o lucro fosse algum tipo de crime que o Estado deve vigiar e punir.
Mas a nossa esquerda está em boa companhia. Os notáveis que tomaram conta do PSD apresentaram agora, no congresso do passado fim-de-semana, a sua brilhante e inovadora visão para o futuro de Portugal: a social-democracia à moda de Sá Carneiro, ou seja, o mesmo cato-socialismo que vêm apregoando desde o PREC, desde o tempo da União Soviética, desde que começaram a pensar politicamente. Não lhes ocorreu que é mais do que tempo de a direita em Portugal assumir aquilo que realmente é, na sociologia e nos valores, e deixar de prestar homenagens patetas à social-democracia. A menos que isso lhes tenha ocorrido e que o discurso da nova liderança seja apenas para enganar o vulgo – o que não é de todo de excluir e seria ainda mais grave.
Apesar de tudo – concedamos – há uma distinção entre PS e PSD nas questões de costumes. Nesse aspecto, o PS é progressista e o PSD conservador. Mas isto não é um projecto político para o país. Estas questões são sempre menos importantes do que parecem. A esquerda acha que pode mudar o mundo, mas na verdade só consegue mudar aquilo que já antes mudou na realidade social. A direita pensa que pode parar a mudança, mas o máximo que pode fazer é adiá-la – o que, geralmente, a torna ainda mais premente e radical.
Assim, está agora perfeitamente definido que as próximas eleições legislativas serão o habitual jogo dos enganos. O PS apresentará aos eleitores um socialismo progressista e o PSD um socialismo conservador. Ambos nos conduzirão, de acordo com os seus proponentes, à prosperidade e à justiça social, tal como se tem visto nos últimos anos.
Entretanto, nos Estados Unidos passa-se algo de relevante. O debate entre Obama e McCain não versa sobre a velha questão de Bobbio – “qual socialismo?” – mas antes sobre a verdadeira questão do nosso tempo: “qual liberalismo?” McCain é o típico liberal de direita. É o mais possível pelo mercado livre, tanto ao nível interno como internacional; é contra a justiça distributiva pela via fiscal e a favor dos cortes de impostos para os mais favorecidos; acha que a protecção na saúde deve assentar em seguros privados, etc. Obama, por seu turno, é a favor da liberdade económica, mas com algumas tentações proteccionistas. Obama tem sobretudo uma visão muito mais expansiva das funções do Estado. Ele quer melhorar a distribuição do rendimento e da riqueza e pretende acabar com cortes fiscais para os mais ricos e introduzi-los para os pobres e remediados. Obama aposta especialmente na universalização do acesso à saúde.
Nos Estados Unidos, portanto, desenrola-se agora a discussão entre as alternativas verdadeiras para as democracias do século XXI. Ou seja, discute-se qual a forma mais adequada de liberalismo: o liberalismo social (aquele que eu prefiro), ou o liberalismo de direita (usualmente designado por neoliberalismo). Nas próximas eleições, os americanos decidirão entre dois liberalismos credíveis. Nós decidiremos entre dois socialismos irresponsáveis."
João Cardoso Rosas
Num contexto há muito ultrapassado – nos anos setenta do século XX – o filósofo italiano Norberto Bobbio perguntava: “Qual socialismo?”. O seu problema era o da relação desta ideologia com os regimes demo-liberais e a posição de Bobbio consistia em favorecer uma forma liberal de socialismo. Mas o intento do pensador italiano parece hoje perdido num passado remoto. A sua tentativa de liberalização do socialismo era apenas um caminho que se tornava necessário percorrer até chegar à evidência do fim das alternativas socialistas.
No entanto, ao que tudo indica, a esquerda portuguesa passou ao lado desta discussão (com algumas excepções, como é óbvio), tal como costuma passar ao lado de muitas outras. Como se tem visto na “inflexão socialista” gerada por Manuel Alegre e pelo crescimento das intenções de voto no BE e PCP, o Governo agora quer mais Estado e até quer fazer de Robin dos Bosques. Ou seja, prepara-se para a demagogia fiscal: ao mesmo tempo que baixou o IVA – o mais justo dos impostos, porque incide sobre o consumo, especialmente de bens não essenciais –, anda à procura dos sectores de actividade com lucros, para lhos retirar. Como se o lucro fosse algum tipo de crime que o Estado deve vigiar e punir.
Mas a nossa esquerda está em boa companhia. Os notáveis que tomaram conta do PSD apresentaram agora, no congresso do passado fim-de-semana, a sua brilhante e inovadora visão para o futuro de Portugal: a social-democracia à moda de Sá Carneiro, ou seja, o mesmo cato-socialismo que vêm apregoando desde o PREC, desde o tempo da União Soviética, desde que começaram a pensar politicamente. Não lhes ocorreu que é mais do que tempo de a direita em Portugal assumir aquilo que realmente é, na sociologia e nos valores, e deixar de prestar homenagens patetas à social-democracia. A menos que isso lhes tenha ocorrido e que o discurso da nova liderança seja apenas para enganar o vulgo – o que não é de todo de excluir e seria ainda mais grave.
Apesar de tudo – concedamos – há uma distinção entre PS e PSD nas questões de costumes. Nesse aspecto, o PS é progressista e o PSD conservador. Mas isto não é um projecto político para o país. Estas questões são sempre menos importantes do que parecem. A esquerda acha que pode mudar o mundo, mas na verdade só consegue mudar aquilo que já antes mudou na realidade social. A direita pensa que pode parar a mudança, mas o máximo que pode fazer é adiá-la – o que, geralmente, a torna ainda mais premente e radical.
Assim, está agora perfeitamente definido que as próximas eleições legislativas serão o habitual jogo dos enganos. O PS apresentará aos eleitores um socialismo progressista e o PSD um socialismo conservador. Ambos nos conduzirão, de acordo com os seus proponentes, à prosperidade e à justiça social, tal como se tem visto nos últimos anos.
Entretanto, nos Estados Unidos passa-se algo de relevante. O debate entre Obama e McCain não versa sobre a velha questão de Bobbio – “qual socialismo?” – mas antes sobre a verdadeira questão do nosso tempo: “qual liberalismo?” McCain é o típico liberal de direita. É o mais possível pelo mercado livre, tanto ao nível interno como internacional; é contra a justiça distributiva pela via fiscal e a favor dos cortes de impostos para os mais favorecidos; acha que a protecção na saúde deve assentar em seguros privados, etc. Obama, por seu turno, é a favor da liberdade económica, mas com algumas tentações proteccionistas. Obama tem sobretudo uma visão muito mais expansiva das funções do Estado. Ele quer melhorar a distribuição do rendimento e da riqueza e pretende acabar com cortes fiscais para os mais ricos e introduzi-los para os pobres e remediados. Obama aposta especialmente na universalização do acesso à saúde.
Nos Estados Unidos, portanto, desenrola-se agora a discussão entre as alternativas verdadeiras para as democracias do século XXI. Ou seja, discute-se qual a forma mais adequada de liberalismo: o liberalismo social (aquele que eu prefiro), ou o liberalismo de direita (usualmente designado por neoliberalismo). Nas próximas eleições, os americanos decidirão entre dois liberalismos credíveis. Nós decidiremos entre dois socialismos irresponsáveis."
João Cardoso Rosas
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