sexta-feira, junho 27, 2008

Qual liberalismo?

"A esquerda acha que pode mudar o mundo, mas na verdade só consegue mudar aquilo que já antes mudou na realidade social.

Num contexto há muito ultrapassado – nos anos setenta do século XX – o filósofo italiano Norberto Bobbio perguntava: “Qual socialismo?”. O seu problema era o da relação desta ideologia com os regimes demo-liberais e a posição de Bobbio consistia em favorecer uma forma liberal de socialismo. Mas o intento do pensador italiano parece hoje perdido num passado remoto. A sua tentativa de liberalização do socialismo era apenas um caminho que se tornava necessário percorrer até chegar à evidência do fim das alternativas socialistas.

No entanto, ao que tudo indica, a esquerda portuguesa passou ao lado desta discussão (com algumas excepções, como é óbvio), tal como costuma passar ao lado de muitas outras. Como se tem visto na “inflexão socialista” gerada por Manuel Alegre e pelo crescimento das intenções de voto no BE e PCP, o Governo agora quer mais Estado e até quer fazer de Robin dos Bosques. Ou seja, prepara-se para a demagogia fiscal: ao mesmo tempo que baixou o IVA – o mais justo dos impostos, porque incide sobre o consumo, especialmente de bens não essenciais –, anda à procura dos sectores de actividade com lucros, para lhos retirar. Como se o lucro fosse algum tipo de crime que o Estado deve vigiar e punir.

Mas a nossa esquerda está em boa companhia. Os notáveis que tomaram conta do PSD apresentaram agora, no congresso do passado fim-de-semana, a sua brilhante e inovadora visão para o futuro de Portugal: a social-democracia à moda de Sá Carneiro, ou seja, o mesmo cato-socialismo que vêm apregoando desde o PREC, desde o tempo da União Soviética, desde que começaram a pensar politicamente. Não lhes ocorreu que é mais do que tempo de a direita em Portugal assumir aquilo que realmente é, na sociologia e nos valores, e deixar de prestar homenagens patetas à social-democracia. A menos que isso lhes tenha ocorrido e que o discurso da nova liderança seja apenas para enganar o vulgo – o que não é de todo de excluir e seria ainda mais grave.

Apesar de tudo – concedamos – há uma distinção entre PS e PSD nas questões de costumes. Nesse aspecto, o PS é progressista e o PSD conservador. Mas isto não é um projecto político para o país. Estas questões são sempre menos importantes do que parecem. A esquerda acha que pode mudar o mundo, mas na verdade só consegue mudar aquilo que já antes mudou na realidade social. A direita pensa que pode parar a mudança, mas o máximo que pode fazer é adiá-la – o que, geralmente, a torna ainda mais premente e radical.

Assim, está agora perfeitamente definido que as próximas eleições legislativas serão o habitual jogo dos enganos. O PS apresentará aos eleitores um socialismo progressista e o PSD um socialismo conservador. Ambos nos conduzirão, de acordo com os seus proponentes, à prosperidade e à justiça social, tal como se tem visto nos últimos anos.

Entretanto, nos Estados Unidos passa-se algo de relevante. O debate entre Obama e McCain não versa sobre a velha questão de Bobbio – “qual socialismo?” – mas antes sobre a verdadeira questão do nosso tempo: “qual liberalismo?” McCain é o típico liberal de direita. É o mais possível pelo mercado livre, tanto ao nível interno como internacional; é contra a justiça distributiva pela via fiscal e a favor dos cortes de impostos para os mais favorecidos; acha que a protecção na saúde deve assentar em seguros privados, etc. Obama, por seu turno, é a favor da liberdade económica, mas com algumas tentações proteccionistas. Obama tem sobretudo uma visão muito mais expansiva das funções do Estado. Ele quer melhorar a distribuição do rendimento e da riqueza e pretende acabar com cortes fiscais para os mais ricos e introduzi-los para os pobres e remediados. Obama aposta especialmente na universalização do acesso à saúde.

Nos Estados Unidos, portanto, desenrola-se agora a discussão entre as alternativas verdadeiras para as democracias do século XXI. Ou seja, discute-se qual a forma mais adequada de liberalismo: o liberalismo social (aquele que eu prefiro), ou o liberalismo de direita (usualmente designado por neoliberalismo). Nas próximas eleições, os americanos decidirão entre dois liberalismos credíveis. Nós decidiremos entre dois socialismos irresponsáveis
."

João Cardoso Rosas

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