quarta-feira, julho 30, 2008

Falar verdade.

"Now that it’s gone too far to call for a halt, / I’ll blame it on the moon / ‘Cause it’s not my fault;”
Blame it on the moon,

Katie Melua

Para resolver o problema macroeconómico é necessário percebê-lo. Qualificando-se para o euro e entrando na UEM, a economia portuguesa sofreu duas importantes alterações estruturais, que foram politicamente mal geridas.

Primeiro e com a abolição do prémio de risco, as taxas de juro desceram irreversivelmente para um patamar muito inferior ao que duas décadas nos haviam habituado. Isto aumentou substancialmente a capacidade de endividamento dos agentes económicos, para o mesmo rendimento, permitindo-lhes ajustar em alta o seu “stock” de bens e serviços. As empresas investiram e (sobretudo) as famílias compraram novas casas, carros, electrodomésticos, etc. e aumentaram o padrão de consumo, tudo traduzido num aumento de despesa interna.

Os efeitos deste “choque monetário” expansionista poderiam ter sido relativamente contidos se o Estado lhe tivesse contraposto – receita de manual – um choque fiscal de sentido oposto, reduzindo despesa e/ou aumentando impostos. Aconteceu precisamente o contrário. O Estado entrou em euforia despesista e acrescentou um choque expansionista da ordem dos 30% do PIB (considerando o aumento da dívida pública explícita e estimando por baixo as responsabilidades implícitas incorridas e as receitas de privatizações). A deslumbrada descoberta da engenharia financeira e contabilística – permitindo chutar a explicitação de custos para anos mais tarde – e a redução dos juros da dívida, ajudou a disfarçar a dimensão deste choque e alimentou uma perigosa venda de ilusões.

Segundo, a perda de moeda própria, e a prospectiva estabilidade de preços, eliminaram um importante elemento de flexibilidade do mercado de trabalho, que permitia, com desvalorizações, corrigir excessos de custos laborais, restabelecendo a competitividade e preservando um razoável nível de emprego.

Liberta a restrição financeira imediata e fantasiando contas, investiu-se muito, mas mal. Directamente pelo Estado, ou frequentemente sob a sua égide, directa ou indirecta, dirigiu-se o investimento sobretudo para o sector não transaccionável. Como resultado, a eficiência do investimento foi, no global, a mais baixa de toda a UE e pouca capacidade produtiva se acrescentou. A produtividade pouco cresceu, mas o ‘boom’ de procura artificial e o estímulo aos sectores protegidos fizeram com que os custos laborais crescessem muito mais do que ela, sacrificando a competitividade. Na ausência de instrumentos para a restabelecer (e com a pressão acrescida da globalização), o potencial de produção reduziu-se, dando origem a um crescimento anémico e levando o desemprego a crescer para além da média europeia.

Entretanto e apesar de a economia não ter satisfeito as expectativas de crescimento, a atitude do “copo meio cheio” ajudou as famílias a interiorizar, como permanente, um padrão de consumo que o seu rendimento não sustenta, continuando a recorrer a endividamento para além do que teria sido razoável e habituando-se a viver duradouramente acima das possibilidades. Tal como o Estado.

Os dois efeitos combinados – excesso de despesa e perda de competitividade da produção – e a ausência de reacção atempada, materializaram-se na acumulação da maior sucessão de défices externos de que temos memória, com os consequentes endividamento ao exterior, ‘vulnerabilização’ da economia e séria ameaça à autonomia económica.

As responsabilidades líquidas para com o exterior já excedem o valor do Rendimento Nacional e os encargos que por elas têm que ser pagos (5-6% do PIB) já fizeram entrar o défice num perigoso processo de auto-alimentação. Mantendo-se inalterada a situação e continuando a perder remessas de migrantes, o desequilíbrio externo ameaça tornar-se insustentável. E ainda estamos a beneficiar de transferências da UE...

Os choques da recente crise internacional apenas vieram tornar mais clara a insustentabilidade do modelo em que vivemos há uma década, e mais difícil e custosa a sua correcção. Importa saber se, na ausência de ajustamento em tempo oportuno, a crise não nos forçará a um “hard landing”. Por isso é cada vez mais indispensável empenharmo-nos em gerir uma aterragem suave...
"

Vítor Bento

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