Hábitos
"Num país pelintra, endividado e em crise permanente, milhares de pessoas correram de madrugada aos centros comerciais e às lojas da especialidade para comprarem, às primeiras horas de venda, o novo brinquedo tecnológico, um telemóvel táctil carregado de funcionalidades extra e outras maravilhas.
Para além do mais, o brinquedo está a ser comercializado em Portugal aos preços mais elevados da Europa que, apesar de mergulhada na mesma crise global que Portugal, paga ordenados que se vejam e não salários miseráveis e precários como se praticam cá na terrinha.
Os pobres portugueses da classe média e média baixa ganharam hábitos de consumo de gente rica que lhe são incutidos diariamente. Arredados de outros ganhos culturais e materiais, assumiram que têm, logo existem. E existem tanto mais quanto mais exibem. Os portugueses destituídos de iPhone vão ser olhados com desconfiança e desdém pelos portugueses com iPhone, uma casta de exibicionistas que se julgam mais que os outros.
Os portugueses cada vez se distinguem mais pelo que têm e exibem. O português com carro é mais que o português peão, tendo mesmo direito natural a atropelá-lo sobre a passadeira. Da mesma forma que o português com jipe é mais que o português com carro. Aqui há tempos, numa rua do meu bairro, um destes “bazarocas” endinheirados, ou endividados, vociferava para que afastassem os carros do caminho não fosse, à passagem, riscar um automóvel que lhe custara X. E, aos berros, punha o X por extenso em milhares de euros que humilhavam os pelintras donos de utilitários. Não se morre de ridículo ou o espadão seguinte da caricata criatura seria o carro de uma agência mogno. Mas com torcidos e tremidos e ferragens de luxo."
João Paulo Guerra
Para além do mais, o brinquedo está a ser comercializado em Portugal aos preços mais elevados da Europa que, apesar de mergulhada na mesma crise global que Portugal, paga ordenados que se vejam e não salários miseráveis e precários como se praticam cá na terrinha.
Os pobres portugueses da classe média e média baixa ganharam hábitos de consumo de gente rica que lhe são incutidos diariamente. Arredados de outros ganhos culturais e materiais, assumiram que têm, logo existem. E existem tanto mais quanto mais exibem. Os portugueses destituídos de iPhone vão ser olhados com desconfiança e desdém pelos portugueses com iPhone, uma casta de exibicionistas que se julgam mais que os outros.
Os portugueses cada vez se distinguem mais pelo que têm e exibem. O português com carro é mais que o português peão, tendo mesmo direito natural a atropelá-lo sobre a passadeira. Da mesma forma que o português com jipe é mais que o português com carro. Aqui há tempos, numa rua do meu bairro, um destes “bazarocas” endinheirados, ou endividados, vociferava para que afastassem os carros do caminho não fosse, à passagem, riscar um automóvel que lhe custara X. E, aos berros, punha o X por extenso em milhares de euros que humilhavam os pelintras donos de utilitários. Não se morre de ridículo ou o espadão seguinte da caricata criatura seria o carro de uma agência mogno. Mas com torcidos e tremidos e ferragens de luxo."
João Paulo Guerra
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